Sunday, December 25, 2005

PARAR DE BRINCAR

Quando eu era criança, adorava brincar de playmobil. Não sei se eu gostava pelo playmobil em si, ou pelo fato de ter todo um ritual pra se começar a brincar. Primeiro era preciso convencer minha irmã ou algum outro desocupado a brincar, depois vinha a escolha dos bonecos, a escolha das outras coisas, peças, casas, e badulaques, depois toda a "fase de montagem", que nas férias podia levar dias, e só então a brincadeira começava. Na maioria das vezes, brincar não era tão legal quanto arquitetar todo aquele mundo, então numa determinada hora, sem culpa nenhuma eu perguntava: "Vamos parar de brincar?". Aí tudo aquilo era desmontado, guardado e feito outra vez quando desse vontade.
Quando eu começo a sair com alguém novo, sempre me imagino numa dessas brincadeiras do playmobil da infância. Conevencer o outro a brincar é o papinho que rola vez ou outra, a escolha das peças são as regras que todo pequeno ou grande relacionamento tem. Depois vem a parte de se conhecer, de se mostrar, que pode ser equiparada a "fase de montagem" da brincadeira, isso também pode levar dias, e por fim se começa a brincadeira.
Um dos grandes problemas em se estar "brincando" com alguém novo, é justamente o fato da pessoa ser nova, e de eu não ter a mínima idéia do que se passa na cabeça dela. O outro grande problema, é que hoje em dia eu também não tenho mais a mínima paciência para ficar dias "arquitetando" o mundo do playmobil. O negócio se inverteu de uma tal forma, que por mim eu já iria tirando os brinquedos do saco e fazendo a brincadeira do jeito que desse, na sorte mesmo.
Sei que tudo isso pode parecer um pouco imediatista e apressado mas o ruim é que, hoje na maioria das vezes, a grande maioria das pessoas, só está interessada no ritual e não em começar à brincar.
É nessas horas que eu gostaria de perceber de longe as intenções de quem se aproxima de mim, e gostaria também que na vida as coisas fossem um pouco mais parecidas com a brincadeira. Gostaria de poder parar de brincar na hora que eu me ligasse de tudo, e começar a guardar as coisas sem culpa nenhuma, sem sequelas, sem machucados, sem espectativas e sem recoradações. Gostaria que depois do furacão as coisas voltassem pro seu devido lugar, nas suas devidas caixas dentro de um lugarzinho seguro e ficassem lá, até que eu quisesse tirar pra começar a brincar novamente. Mas, nem tudo é do jeito que gostariamos que fosse.

Thursday, December 08, 2005

LÁ, LÁ, LÁ

Quem nunca cantou uma música errado, que atire a primeira pedra! Lógico que ninguém gosta que isso aconteça, mas uma palavrinha ou outra de uma música bem conhecida, é normal a gente trocar.
Toda essa história começou, num papo com uma daquelas amigas que você já conversou tudo que tinha pra conversar e termina por só falar idiotices quando vocês se encontram. Num dado momento de um desses papos você resolve confessar que, quando era menor, cantava "...ter uma casinha branca de laranjas..." em vez de "...ter uma casinha branca de varanda...". Sua amiga ri muito e também confessa que na música da Marina Lima, onde ela falava: "...um homem pra chamar de seu...", ela cantava "...um homem pra chamar Dirceu...". Pronto, a partir daí sua vida nunca mais será a mesma e você percebe que não vai se aquietar enquanto não descobrir se esse é um problema de todo mundo, ou só seu e da sua amiga maluca. Depois de perguntar um pouco aqui e alí não fica difícil se ligar que todo mundo já cantou errado alguma coisa, ou muita coisa em alguns casos, e as pérolas são uma pior que a outra.
Um cara do escritório tinha certeza que na madrugada do Cláudio Zoli, a moça ficava "trocando de biquíni sem parar" em vez de "tocando B.B. King sem parar". Algumas meninas do finaceiro, sempre cantaram juntinho com o Roupa Nova "...eu perguntava tudo em 'holandês', e te abraçava tudo em 'holandês'..." em vez de "...eu perguntava do you wanna dance, e te abraçava do you wanna dance...". Outra moça da recepção tinha certeza que os Titãs acusavam alguém de assassinato com seu "...homem que mata! Capitalisamo selvagem...", e também sempre gritava pro "Pirê" falar com a mãe, quando que era o "Cridê" que a música chamava.
Os Paralamas do Sucesso mereciam um capítulo à parte, ô gente pra cantar difícil. A música do Vital, ficava assim: "Vital e sua moto, mais que um leão feliz...". Será que ninguém sabia que era "uma união feliz"? E o pessoal que cantava: "... entrei de caiaque no navio...", será que nunca tinha ouvido falar em "gaiato"? Tinha também aqueles que colocavam elementos do seu café da manhã no meio da música, como: "alagados, Nescau, favela da maré...".
As músicas passearam também pelos grandes clássicos, como Menino do Rio, com seu "dragão tatuado no braço" onde alguns, pensaram no pobre André de Biasi como um "ladrão com a toalha no braço". Rita Lee também não foi poupada, No Escurinho do Cinema rendia ótimas trocas para seus ouvintes empolgados: "minha garota Mae West" facilmente virava, "minha garota, meu yes".
Em Eduardo e Mônica, "o carinha do 'fucinho' do Eduardo, que disse..." não dizia mais nada, até porque ele nem no "cursinho" estava. A piscina do Cazuza, não estava também cheia de ratos, e sim "a toxina", que alguém deve ter deixado rolando por aí. E Elis Regina, tadinha, está esperando até hoje a "volta do irmão doentio" do Bêbado e o Equilibrista.
Músicas como Astronauta de Mármore e Missionários, na verdade, fizeram sucesso porque cada um cantava o que queria, na minha inocente pesquisa foram achadas as mais diferentes traduções para "dar bonitas condecorações" e "o tolo teme a noite, como a noite vai temer o tolo". A maior de todas as gafes musicais, foi a de alguém que não quis ser citado, e que transformou Açaí, do Djavan, numa das mais belas páginas do cancioneiro popular. A música ficou mais ou menos assim: "Ao sair do avião, Zumbi pisou num ímã...", agora só não me perguntem o que o Rei dos Palmares estava fazendo num avião.
Depois de rir muito com tudo isso e depois de ter esse papo megadivertido com todo mundo, o que eu concluí foi que ainda bem que a vondade de cantar prevalece à rapidez dos neurônios para aprender a música. E ainda bem também que "para bailar La Bamba" basta boa vontade e um "lá, lá, lá, lá, La Bamba".

Tuesday, December 06, 2005

BANDIDECO DE QUINTA

Você tomou piaba da sua chefe, você perdeu uma concorrência, você fez um layout que não ficou nada bom, você não está mais conseguindo prestar a atenção nas coisas, seus últimos dez relacionamentos não demoraram mais que dois dias, seus amigos estão todos namorando, no último fim de semana você trabalhou, e no anterior foi pra praia na casa de uma amiga e quebrou uma cadeira dela no valor de 300 reias. Como se tudo isso não bastasse, você ainda é convidado pra um evento bom, mas que você nem curtiria tanto, e só vai pelas companhias. No meio disso tudo, seu carro, que você paga a duras penas, passa por um ato de vandalismo somado a uma tentativa-de-roubo-meio-sem-noção, feita por um bandideco sem-vergonha, que nem pra roubar serve.
Na hora te dá a maior raiva, vontade de chutar, gritar, espernear, chamar a mãe, o pai, a avó, rolar na calçada dando gargalhas estéricas (mas disso você logo desiste, pois o chão está cheio de cacos de vidro). Então, depois que o piti passa você pensa que o bandinho-de-quinta deve ser um frustrado mesmo, foi ser ladrão, achando que ia se dar bem, traficar droga pesada, falsificar dinheiro, ter intercâmbio de escravas brancas com a Iakuza, ser o fudidão da favela, mandar matar e morrer e coisa e tal... Mas o pobre, não passa de um mal-sucedido "estourador de vidros". Isso, na boa, é o fim do "organograma da bandidagem", vai ser looser assim lá no Morro do Macaco Molhado, onde Malandra é malandra mesmo e não dá mole pra Mané... Chega até a dar pena de bandido assim.
Mas a minha vontade era de pegar o cara, logo depois do ato e de bater muito no filho-da-puta (desculpem as moças), além de perguntar pro infeliz o por que da sua tão frustrada existência. O cara deve ser zoado a beça pelos coleguinhas na Escola Dominical de Larápios.
Bom, depois de somar os gastos, você pensa que é melhor que tenha acontecido só isso, que isso pode ser até um sinal do início da sua boa fase, que um período maravilhoso vem chegando por aí, que sua nova tatuagem vai servir pra te abençoar ainda mais. Pensa também que pelo menos, você vai ajudar a engordar o décimo terceiro do funileiro e leva uma dividazinha a mais pro ano que vem. Fazer o quê? Nessas horas só dá pra xingar...

Tuesday, November 22, 2005

SÓ PRA MIM*

E eis então mais uma vez que eu estou aqui sozinho, sem ninguém pra conversar e sem nenhuma voz além da minha. A madrugada já está alta e finalmente ela vai aparecer.
A noite eu ando por aí enquanto a cidade está vazia, eu penso nela fico feliz e de repente estou sorrindo. O mundo vai dormir e sou eu quem vai sonhar. E então, só pra mim, eu finjo que ela chega e são pra mim os beijos que ela trouxe, invento que estou entre os seus braços e quando ela aparece tudo volta a tomar rumo.
Imagino que ela ri das histórias que eu conto, que ela gosta do meu abraço, que ela sente lá do outro lado tudo que eu sinto aqui sozinho. Invento que ela sabe o que me faz bem, que me vê sempre que está com saudade e que ela sonha comigo e sente minha falta assim como eu sinto dela.
Já choveu e as ruas estão refletindo as estrelas como um rio. E as estrelas parecem reforçar a idéia de que ela também me ama. Mas eu sei que é tudo só em mim, só pra mim é que eu confesso esse amor. Só eu sei o que é amar assim... E eu amei e amo por nós. Eu a amo e vão passando os dias, vem o Sol e ela vai embora. Sem ela o mundo é só o mundo, um mundo que gira tanto, e eu vou em volta dele nesse amor que não tem fim. Eu a amo, mas sei que é só pra mim.

* Esse post é uma tradução livre e muito adaptada, de uma música que mudou minha vida, e que até hoje eu canto e lembro, quando me sinto do jeito adolescente que ela descreve uma paixão platônica e unilateral. A primeira vez que eu escutei "Só pra mim" (On my own) foi no ensaio geral da montagem brasileira de Les Misérables, ao lado do próprio Cameron Machintosh. Mais uma vez foi impossível não chorar, e acho que ainda hoje seria, mas isso, eu sei que não é só pra mim.

Friday, November 18, 2005

SÍNDROME DO BAMBI

Poucas histórias marcam tanto a nossa vida quanto as vividas na infância. Acho que por terem cores, cheiros e dimensões diferentes elas ficam armazenadas em um lugar que todo mundo trata com carinho. Uma das que mais me marcou, é lembrada até hoje por amigos, familiares e até colegas de trabalho, assim que eu ponho o pé dentro de uma sala de cinema.
Mais ou menos ha uns vinte e poucos anos, mais ou menos nessa época do ano, minha mãe mais ou menos desesperada não sabia o que fazer com os dois filhos pequenos, que tinham acabado de entrar em férias e estavam botando a casa abaixo. Naquela época, minha irmã com uns 4 anos e eu com uns 6, nós dois eramos peritos em espalhar brinquedos, fazer guerra de comida, dar gritos para conversar com os vizinhos e nos pendurar na janela mexendo com quem passava na rua. Nos ter em casa era tão sofrido que qualquer motivo era bom pra sair com as crianças penduradas. Foi num momento desses que minha mãe teve a "brilhante idéia" de nos levar ao Iguatemi, para comprar o que ainda faltava para o Natal e pra assistir Bambi, junto com a gente.
Lembro que a quantidade de crianças felizes na entrada do cinema era enorme, todas rindo, correndo, gritando, comendo pipoca, uma verdadeira festa. Antes da sessão começar, minha mãe nos colocou nos lugares ao seu lado e sentou orgulhosa no meio das crias. Ia ser uma momento sereno, ela ia ficar duas horas tranquila comigo e com a minha irmã quietos e felizes. Mas, o sossego dela durou muito pouco...
Tudo corria bem até que de repente, POW! Matam a mãe do Bambi. Na hora eu não pude acreditar que estava acontecendo aquilo! Como isso podia acontecer num filme infantil? Será que quem tinha feito esse filme tinha pensado em levar todas aquelas crianças lá, só pra tortura-las com essas idéias horríveis de mães morrendo e caçadores sanguinários?
Buáááááááááááááááá! Meu choro foi alto e incontrolável, não só o meu mas o de outras crianças que estavam lá. Minha mãe se afundou na cadeira, as outras crianças logo se acalmaram com o coelhino Tambor e com as cenas floridas que vinham logo a seguir, mas eu não, continuava o meu choro sentido, ensurdecedor e indignado:
- Eu não acredito que a mãe do Bambi morreeeeeeeeeeeeu!
- Calma filho!
- Buáááááááááááá!! Cadê a mãe do Bambi? Ela morreu mãe? Ela morreu? Mãããããããããeee diz que ela não morreu!!
- Calma filho, é um filme!
Não demorou muito para a lanterninha aparecer e pedir pra minha mãe me tirar da sala, porque eu estava atrapalhando a sessão. Irada ela praticamente me arrancou da cadeira, falou pra minha irmã, que não tinha derramado uma lágrima, não levantar da cadeira e me arrastou pro saguão:
- Buáááááááááá!! A mãe do Bambi morreeeeu!
- Filho fica quieto! Eles não vão deixar você voltar para o cinema!
- Eu não quero voltar, a mãe do Bambi moreu!! Buáááááááááá!!
Até que num momento de iluminação, quase me sacudindo de tanta vergonha, minha mãe falou:
- Ela não morreu filho, ela já volta. Vão descobrir que ela só estava sumida, e daqui a pouco ela aparece de novo.
- Ela não morreu? Snif.
- Não. Agora fica tranquilo, respira fundo pra gente ver o filme.
Dois copos d'água e uma lavada de rosto depois, nós voltamos para as cadeiras e eu até consegui curtir um pouco do que restou do Bambi. Quando acabou o filme e a mãe do Bambi não apareceu, tive que perguntar de novo com um nó na garganta:
- E a mãe do Bambi, mãe? Ela morreu mesmo?
- Ah filho, quando a gente saiu da sala, ela voltou, explicou que era tudo mentira e disse que não tinha morrido. A gente perdeu essa cena.
Demorei anos pra descobrir que a mãe do Bambi tinha morrido de verdade e até hoje ainda sofro da "Síndrome do Bambi", que entre outras coisas causa vexames sérios em salas de cinema.

Monday, November 07, 2005

A GRANDE JORNADA

Fugindo da cidade turbulenta e da rotina habitual, que fatigava seus finais de semana, quatro amigos saem de São Paulo, numa sexta-feira caótica, em direção a um oásis de paz, tranquilidade e desapego das formas corporais, onde eram aguardados com impaciência.
A viagem de 5 horas levou quase 7, mas os amigos, num mix de complacência e determinação, tentaram transformar com bom-humor e um certo "veneno" as horas presas no carro em agradáveis momentos de intimidade. Desenterraram fantasmas do passado, histórias que nunca tinham revelado, opiniões ainda não dadas, enfim, conversaram muito, não por obrigação, mas talvez por sentirem necessidade de se conhecerem um pouco mais, como se já não se conhecessem o bastante.
A chegada foi tranquila e nos primeiros minutos tudo já dava sinais de que a estada seria bem lucrativa com relação às histórias que renderia e também com relação aos quilos que ganharíamos. Não foi possível para os amigos resistirem a tudo que lhes foi oferecido. Também não puderam resistir às boas companhias, ao bom clima, à boa recepção, aos bons papos. Tudo que lhes passava na frente era bom, oferecia algum prazer inocente ou engordava.
Ao final de dois dias inteiros, muitas garrafas de vodka vazias, muitas rolhas de vinho, muitos pratos sujos, muitas revelações feitas e muito carinho demonstrado, os amigos retornaram. O final da jornada exigia de nossos heróis, ainda um pouco mais de perseverança para enfrentar as 5 horas que restavam, que eram mais difíceis, pois se somavam ao cansaço de dias intensos.
Corre tudo bem com a volta e já sozinho no carro, o último dos amigos que ainda restava chegar em casa, pensava que sem o longo e cansativo caminho, talvez esse não tivesse sido um final de semana tão perfeito, pois talvez não tivesse deixado os amigos tão em sintonia. Muitas vezes, o que precisamos é de uma jornada juntos para entender porque o caminho pode ser tão bom quanto o destino.

Sunday, October 30, 2005

O TEMPO PASSA

A Claudinha era a "mais gostosa do colégio", e olha que ela nem estava na oitava série quando ganhou esse título. A Claudinha já tinha peitos quando a maioria dos meninos nem sabia o que era isso, já se usava de seu jeito de Lolita, pra pegar os professores de surpresa com suas caras e bocas provocantes, quando eles menos esperavam. A Claudinha já era p.h.d., quando todo mundo ainda era amador. Ao chegar na sétima série a Claudinha já botava fogo nos sonhos do colegial inteiro, já tinha beijado os "top ten mais populares" e já tinha adquirido uma posição de responsabilidade dentre todos os alunos do XII de Outubro.
Além disso, Claudinha era uma "coisa", era linda, meiga, simpática, atrevida, engraçada e principalmente sincera, qualidade muito valorizada pelos adolescentes daquela época. Claudinha circulava bem entre os inteligentes, entre os fanáticos por Educação Física, entre o pessoal que "tinha uma banda", entre as caminhoneiras, entre as feias, entre os esquisitos, entre os populares, enfim, Claudinha era unanimidade entre todo mundo que frequentava a escola. A menina tinha um brilho no olhar, que se não te fizesse se apaixonar, te fazia acreditar que ela ia mudar o mundo.
Claudinha também tinha uma vida digna de inveja, sofria na escola com a separação dos pais, com o padrasto pobre, com o pai que não pagava o colégio, e "sofrimento com causa" para os adolescentes, também era algo bastante invejável. Como se não bastasse, Claudinha ainda vivia acontecimentos. Onde ela estava sempre rolava uma história, como quando foi pega fumando no cemitério perto da escola, ou como quando sabotou a Tia do cachorro quente por aumentar os preços ou mesmo quando conseguiu fundos, pra trocar a prótese da professora de Ciências.
Sem contar que a Claudinha ainda ditava a moda. Se ela aparecesse com o "adidas" dobrado até joelho na quinta, na sexta isso já era de praxe. Se andasse pisando no contra-forte do London Fog na festa de sábado, na segunda, quem não pisasse era brega.
Em todos os anos que eu tive o prazer de estudar na mesma classe que ela, eu era um menino feliz, só por sentir o perfume do seu cabelo molhado de manhã, ou por receber um chiclete do seu troco, ou mesmo por beber suco no mesmo canudo, quando ela me oferecia.
O tempo passou, e eu matei a minha vontade de ficar com a Claudinha numa festa de reencontro dos alunos da escola, quando eu já estava na faculdade. Lembro que ela correspondeu a tudo que eu tinha imaginado quando moleque, e ainda me fez sonhar por mais um tempo. Como as coisas não acontecem todas bonitinhas, nós voltamos a nos separar, dessa vez por muito mais tempo, e hoje em dia, quando muito, ainda nos encontramos nas eleições.
A Claudinha pode estar gorda, com dois filhos pendurados no colo, toda desarrumada, descabelada e com aquela cara de domingo de chuva, mas por incrível que pareça, ela ainda não perdeu o brilho nos olhos que fazia a escola se deitar aos seus pés, e muito menos o ar de garota que vai mudar o mundo, mesmo não sendo mais nenhuma garota. Tem certas coisas que nunca mudam...

Monday, October 24, 2005

A BRIGA

- Como você pode fazer isso comigo?
As pessoas fora da sala, escutaram seus gritos abafados.
- Você não tem idéia do quanto está me fazendo sofrer! Sabe o que é passar a noite de sábado sozinha? Chorando depois que acabou América?
Os colegas estavam incrédulos. Ela sempre lhes pareceu tão contida, tão reservada e agora estava definitivamente perdendo as estribeiras com alguém.
- Eu não aguento mais! A vontade que eu tenho é de te pisotear, até que você grite e faça o que eu quero.
Meu Deus!! Com quem será que ela tanto gritava? Quem era o coitado que estava do outro lado da linha? Sim, porque tinha que ser uma briga pelo telefone, já que ela estava sozinha na sala, e ninguém tinha visto alguém entrar.
- Não quero mais olhar pra essa sua cara de bonzinho! Me deixe em paz! Não quero mais ter que conviver com suas promessas que não se cumprem, nem com essa propaganda enganosa que você faz de si mesmo, também não quero mais cumprir as promessas que eu fiz pra você! Chega, você ouviu bem?
Tadinha!! Os companheiros de trabalho se entreolharam penalizados. Ela era uma moça boa, trabalhadora, bonita até. Não merecia que um homem a fizesse sofrer assim, nem merecia que todos que trabalhavam com ela, soubessem disso.
- Sabe o que é pior? Você não tem noção do tempo que eu eu perdi. Do quanto eu investi, do quanto eu acreditei em você! Eu podia ter sido uma devassa, eu podia ter aproveitado muito, eu podia ter ficado "falada", mas não... Eu acreditei em você, eu acreditei que me comportando melhor, que me guardando ou que sendo paciente, você fosse me olhar com mais carinho! Mas isso não aconteceu! Por quê? Por quê?
Os gritos eram histéricos, aquilo não podia continuar! As pessoas que trabalhavam em outros departamentos já estavam reparando, a empresa toda ia ficar sabendo! Como ela ia ter coragem de sair da sala depois de uma briga daquelas, àquela altura? As assistentes, do lado de fora, começaram a tirar dois ou um, para ver quem iria entrar.
- Quer saber? Acabou mesmo! Toda relação é baseada em confiança, e você não merece mais a minha. E quer saber mais?
O silêncio foi sepucral por alguns instantes, depois sua voz já parecia recomposta e ameaçadora:
- Você vai pra gaveta por uma semana! Nada mais de ver a luz do Sol, até terça que vem!
Agora ninguém entendeu mais nada! Gaveta? Como ela ia colocar um homem na gaveta? Todos se entreolharam mais uma vez, deram de ombros e voltaram ao trabalho. Ela devia estar passando por uma crise de estresse. Tudo enfim, era perfeitamente compreensível.
Dentro da sala, ela arrancou o Santo Antônio de cima da mesa e o trancou na gaveta. Olhou para a chave com uma expressão de sadismo estampada no rosto. Quem sabe depois do castigo o Santo não se empenhava melhor para lhe arrumar um marido?

Sunday, October 23, 2005

AS 10 PERGUNTAS AINDA SEM RESPOSTA

1. Por que as pessoas que vão votar sim se tornaram os novos ativistas do PT? Será que isso é o início de um novo partido, ou será que toda eleição tem um lado que é sempre radical e chato?
2. Se o nariz não enruga, por que o resto da cara não é feito da mesma pele do nariz?
3. Por que as músicas idiotas, chulas e de gosto duvidoso, feitas por compositores que não tem nenhum conhecimento técnico do assunto, são sempre as que caem no gosto popular?
4. Por que o nível de gostosura de um prato, é diretamente proporcional ao número de calorias que ele carrega?
5. Por que seu armário fica completamente sem opções quando você tem um evento importante?
6. Se um domingo chuvoso, causa depressão em pelo menos 87% da população sadia de uma grande cidade, por que as segundas-feiras que sucedem esses domigos, não são feriados nacionais?
7. Por que o cinema iraniano, que está tão na moda hoje em dia, não investe um pouco mais na formação de seus roteiristas, no estudo de seus atores e na qualidade do material que eles utilizam?
8. Por que as coisas que tem cheiro bom, não tem o mesmo gosto do cheiro?
9. Por que tudo que é gostoso, prazeroso ou relaxante é sempre indecente, imoral, ilegal ou engorda?
10. Por que as pessoas realmente interessantes, não ligam no dia seguinte?

Tuesday, October 18, 2005

A LENDA DO BÊBADO SOCIAL

Um dia qualquer, você cai na besteira de perguntar a um amigo, o que ele tinha feito no fim de semana. O cara pára, olha bem no seu olho, e diz: "Bebi!". "Só?" você pergunta, não acreditando que durante as 48 horas de descanso semanal, o amigo maluco só tivesse feito isso. Então o cara te reponde na maior cara-de-pau: "Só".
O difícil pra você não foi constatar que meu amigo precisava de ajuda, mas sim, que se você fosse analisar friamente, também, só tinha feito beber durante todo o final de semana. Você saiu de casa na sexta, e tinha ido pra um esquentinha na casa de um amigo, depois passou na casa de outro, depois foi pra balada, tudo isso com muita bebida. No sábado pra não ser diferente, você almoça com uns primos e toma umas pra comemorar, engata num aniversário de criança onde tem um bar incrível, chega em casa, toma banho, vai pra outro esquenta e, depois, pra um aniverário, dessa vez de adulto onde era open bar. No domingo você acorda mais cabeção que a Hello Kitty e vai pra um churras, jurando não colocar uma gota de álcool na boca, mas depois do primeiro gole tudo se torna fácil e você dá outro banho na alma.
Ao fim da conversa com o amigo, vocês se olham com cara de pena, pensando que ambos precisam sair da mesa do bar correndo, (sim, vocês estavam conversando num bar) e ir direto pra primeira reunião do A.A., mas desistem porque a cerveja tava boa, o papo também e saem de lá às 3 da manhã, trançando as pernas e dizendo que se consideravam pra caramba.
Você começa a não acreditar no que se transformou sua vida, começa a pensar em como as pessoas conseguem beber e conseguem parar antes de falar coisas como: "Quanta gente bonita!", ou "Tô bem pra guiar", ou mesmo "Onde é o melhor lugar pra vomitar?". Fazendo um retrocesso você percebe que beber socialmente é algo que, pra você, nunca existiu e analisando todas as suas histórias tem a certeza que isso é quase uma lenda urbana, mais ou menos como a da velha que secou o cahorro no microondas ou do cara que acordou na banheira de gelo.
Agora depois de tantas constatações, pelo menos você terá um desejo a mais quando chegar numa festa, a vontade de se tornar um bêbado social, pelo menos até a segunda dose.

Friday, October 14, 2005

O texto abaixo infelizmente não é meu, mas exprime totalmente o que eu acho desse papo todo de sim e não, de armas e armados. Infelizmente também, quando eu recebi esse texto ele não veio com o nome do autor, o que é um pecado porque é ótima leitura. Mas fica a homenagem ao inconformado trovador que como eu, tem na escrita seu modo de se indignar.

MUDEI DE IDÉIA... AGORA É SIM!!!


Antes, eu tinha certeza de que ia votar no NÃO e ninguém ia me convencer do contrário. Mas o tempo foi passando, entrei nas comunidades do SIM e do NÃO no orkut, ouvi propagandas no rádio e na TV e os argumentos do SIM me convenceram. Vou votar SIM. Sabe por que? Vou dar alguns motivos:

Descobri que a arma legal alimenta os bandidos. Todas aquelas AR-15, AK-47, granadas e bazucas que os traficantes do Rio usam, foram roubadas de cidadãos honestos que compraram as armas legalmente. Da minha casa mesmo, por exemplo. Ano passado me roubaram quatro mísseis stinger e a minha AR-15 preferida.
Descobri que todos os pais que têm armas de fogo, costumam deixá-las carregadas e engatilhadas em cima do sofá da sala. Por isso que, 94 milhões de crianças brasileiras morrem brincando com armas de fogo todos os anos.
Descobri que todos os assaltantes de casa têm superpoderes, eles atravessam portas e paredes, se materializam na sua frente e apontam uma arma para a sua cabeça enquanto você ainda está deitado, tornando impossível qualquer reação. Eles não perdem tempo fazendo barulho ou arrombando portas.
Descobri que se eu vir ou ouvir algum bandido pulando a cerca, e entrando no meu quintal, eu não vou conseguir afugentá-lo com um tiro para cima ou para o chão. Se ele ouvir qualquer disparo, aí sim, é que ele vai ficar excitado e vai querer de toda forma entrar em casa e trocar tiros comigo. Eles adoram fazer isso, e nunca fogem de quem está armado.
Descobri que se o NÃO ganhar, as armas de fogo vão imediatamente ficar 90% mais baratas, e vai acabar a burocracia para a compra de uma. No dia seguinte à vitória do NÃO, qualquer pessoa (bandido ou não) vai poder ir numa loja de armas, comprar um 44 e oito caixas de munição. Já vai sair de lá armado e entar no bar mais próximo, para arrumar briga e matar idiotas.
Descobri que delegados, policiais civis, militares e federais, que são em quase totalidade favoráveis ao NÃO, não entendem NADA de violência e criminalidade. Quem manja mesmo do assunto são atores, sociólogos e dirigentes de ONGs internacionais.
Descobri que estrangeiros que lideram ONGs como a Viva-Rio têm muita experiência no assunto. Afinal, todo mundo sabe que a situação social, econômica e de criminalidade da França, Inglaterra, Vaticano e Suécia é IGUALZINHA à realidade do Brasil. Não tenho a menor dúvida de que as teorias que eles têm, vão funcionar direitinho por aqui.
Descobri que 90% dos casos de homicídios são cometidos pelos chamados cidadãos de bem. Claro que isso é só dos homicídios ESCLARECIDOS, que são menos de 5% dos casos.
Descobri que o governo quer que a gente vote sim, e o governo sempre pensa no nosso bem. E além disso, esse é um novo assunto (chega de falar e cobrar resultados de CPIs, chega gente...). Afinal, todo mundo sabe que a qualidade da saúde pública, ensino público, segurança pública, e todo o resto vem melhorando cada vez mais, dia a dia.
Descobri que se o SIM ganhar, não vão mais acontecer mortes banais. Maridos ciumentos só vão agredir as mulheres com travesseiros, torcidas organizadas vão se dar as mãos, facas e canivetes vão perder o fio, tijolos e paus vão ficar macios e os pitboys vão todos se converter ao budismo.
Descobri que o jovem é a principal vítima da arma de fogo. Claro que isso não tem nada a ver com o fato de o jovem ser o maior usuário de drogas, e nem o fato de que quase 100% dos envolvidos no tráfico de drogas terem menos de 30 anos (porque morrem ou são presos antes). Isso é só pura coincidência.
Descobri que todo mundo que tem arma de fogo é um suicida em potencial, e esta é a única causa do suicídio, não tendo nada a ver a falta de perspectivas, falta de um ideal, falta de um sonho a buscar ou então distúrbios mentais como a depressão.
Descobri que se algum bandido invadir a minha casa, basta eu ligar para o 190. A polícia sempre tem homens e viaturas sobrando e levará menos de 3 minutos para me atender.
Caso isso não aconteça, basta eu fazer o sinalzinho do "sou da paz" com as mãos (aquele da pombinha) e o ladrão vai saber que eu sou um sujeito legal, e então ele vai embora em paz, sem levar nada e sem violência nenhuma. Eles sempre agem assim quando descobrem que você é da paz, e não um daqueles psicopatas malvados que são a favor do NÃO.
Caso o ladrão seja muito, mas muito malvadão, eu só preciso gritar por socorro. Em cinco segundos vão aparecer a Fernanda Montenegro, a Maitê Proença e o Felipe Dylon para me salvar e prender o bandido. Sem usar armas. Aêêêêêêêêêê!!!
Se o SIM ganhar, o Brasil vai ser um país mais feliz. Que nem na novela das 6! Obaaaaa!!!!!!

Thursday, October 13, 2005

INFERNO DE ALPACA

Lucia era moça prendada, filha mais velha de 9 irmãos, morava em Avaré e frequentava o normal da escola pública que levava o nome de seu avô. Por ser de uma família grande, era comum dividir entre os filhos os afazeres domésticos, mesmo quando dispunham de mão-de-obra especializada. Para Lucia sempre sobrava a tarefa de lustrar os talheres de alpaca que pousavam sobre a mesa de refeição da família. Aquele tormento diário lhe tirava o humor pelo menos umas duas vezes num período de 15 horas.
A alpaca é um metal altamente oxidante, que teme a humidade das mãos até logo depois de ser areado. Não me perguntem por que os talheres eram feitos desse tipo de material, mas que realmente aquilo era uma provação pra pobre da Lucia era.
Vendo a aflição da filha ao lustrar os talheres antes de todas as refeições, a mãe de Lucia que via total sentido naquela trabalheira toda, tentou de todo jeito, fazer a filha enxergar a tarefa com outros olhos, mas não adiantava, enquanto areava os talheres Lucia era só reclamação.
Certa noite durante o jantar, ao repreender outro dos 9 filhos, a mãe falou em tom profético: "Quem vai para o inferno quando morre, passa toda a eternidade fazendo o que não gosta". Aquilo foi um soco para Lucia, naquela frase ela previu a sua vida no pós-morte: a moça iria, sem a menor dúvida, passar toda a eternidade no inferno areando talheres de alpaca. Ela mal podia acreditar em seu destino quando deitou naquela noite pensando em como conseguiria mudar aquele sentimento em relação aos talheres. Durante o resto do tempo que seus pais tiveram aquele faqueiro, Lucia imaginava formas de tornar aquele trabalho um pouco mais divertido, mas na boa, sabemos que isso nunca funcionou.
Os anos se passaram e Lucia casou, veio morar em São Paulo, teve 2 filhos, 8 noras, 7 netos, viu a chegada do homem à Lua, torceu pelo Brasil na copa de 70, conheceu a Europa, ficou viúva, conheceu a Rússia e hoje, aos 87 anos, faz a melhor torta de frango do Estado e também faz aula de computação e hidroginástica. Mas lá no fundo, Lucia ainda tem medo de morrer, ir pro inferno e lustrar talher até o dia do juízo final. Por que será que certos medos nunca nos abandonam?

Monday, October 10, 2005

MAL ACOSTUMADO

- Filho!
- Hummm.
- Filhooo!
- Hummm, oi mãe. O que foi? Já estamos atrasados?
- Não filho, eu só te acordei pra saber se você tem alguma coisa importante na escola hoje. Você tem?
- O quê?
- Alguma coisa importante na escola hoje.
- Não, acho que não. Por quê?
- Porque o dia tá muito frio, muito cinza, chovendo...
- Mas, e aí?
- E aí que eu pensei, que você poderia faltar à escola hoje...
- Faltar? Mas por quê?
- Porque está muito frio, meu amor, o dia tá muito feio, chovendo. Você pode dormir até tarde e quando acordar podemos ir comer alguma coisa bem gostosa, alugar uns filmes e ficar em casa. Só eu, você e seus irmãos. O que você acha?
- Ahhh, tudo bem...
- Então dorme querido. Quer que eu te cubra?
- Não mãe, não precisa.
- Beijo.
- Beijo mãe.
A mãe vai até lá e cobre o filho.
Hoje, quando esse filho acorda já adulto, numa manhã cinza, chuvosa e nada convidativa, lembra dessa mãe e da proposta irrecusável que ela lhe fazia quando o dia nascia assim. E então, ele fecha os olhos e pede, pede bem baixinho, pra que volte a ser criança só mais um pouco... Na verdade a culpa desse pedido é dessa mãe, que mal acostumou tão gostosamente seus filhos e os fez para sempre, sentirem saudade do tempo que abdicavam de tudo, só pra estar com ela. Parabéns mãe!

Friday, October 07, 2005

A FREKOLÂNDIA

Muitas vezes nossas escolhas são postas à prova por familiares, parentes distantes, colegas de trabalho e principalmente pelos nossos amigos. Somos julgados o tempo todo, em festinhas, em reuniões de pauta, em almoços de domingo, porque ficamos com gente feia demais, com gente alta demais, baixa demais, com gente brega demais, e até com pessoas que parece que achamos na "ponta de estoque", ou seja, pessoas com "pequenos defeitos". É nessas horas, as do julgamento, que você consegue ver quem é autêntico o bastante, para assumir perante de todos os presentes, as suas agruras amorosas com pessoas incomuns.
Essa "frekolândia" de tipos esquisitos, desfila pela sua cabeça assim que o assunto surge na roda. Você lembra daquela amiga que namorava um cara que tinha braços curtos, do outro que namorava a hipocondríaca, daquela que ficou um tempo com você, e que cismava em mostrar o peito recém operado para todo mundo, de outra amiga que só gostava de caras com a língua presa, de um cara da faculdade que namorava uma Severina que se auto denominava Sílvia, enfim, uma revoada de esquizóides cheios de manias.
Mas cá entre nós, é muito difícil mesmo, assumir que a gente está ficando com algum ser oriundo da Frekolândia, afinal você gosta dessa pessoa meio diferentona e só percebe o erro total em que se meteu, quando se separa dela.
É o caso da Rita por exemplo, que a cada dia deixa escapar uma "frekstoria" diferente. A última que ela me arranjou foi de quando estava ficando com o Pablo, um menino bem apessoado, que ela conheceu numa praia no Rio. O romance durou 15 dias, até que muito, tendo em vista que o Pablo era cigano, prometido pra outra cigana, morava num "condomínio de tendas" em Copacabana, era surdo e mudo também. Pra ter uma idéia do non sense que era esse romance, Rita não falava uma só palavra de "surdomudês", e nem tinha comprado aqueles cartõezinhos que vendem nos faróis, além disso, a Mãe do cigano-surdo-mudo-Pablo ligava pra Rita, e combinava a saída dos dois como intérprete.
Hoje quando interrogada sobre sua "jornada cigana em busca da linguagem perdida" a Rita fala que o Pablo era muito menos esquisito que muitos outros caras que ela encontrou por aí, que não eram nem surdos, nem mudos, nem ciganos, nem prometidos, mas que em grau de estranheza, ganhavam fácil de muitos esquisitos que passam pela nossa vida.

Thursday, September 29, 2005

AS BARBIES DO SOTÃO LÁ DE CASA

Trabalhar em uma sala com outras pessoas é como fazer diariamente terapia de grupo. Sempre há um tema rolando e todos, meio que, como no analista, vão soltando frases, sem olhar uns pros outros, com o foco de atenção em outro lugar. Além disso, a privacidade chega a níveis ridículos, e é quase obrigatório saber dos detalhes mais sórdidos, da vida das pessoas que sentam ao seu lado.
Esta semana, durante dois dias o tema em questão teve um certo ar nostálgico. Conversamos sobre doces que gostávamos quendo éramos crianças, sobre quem assistia a qual programa, sobre quem era da época da corrida de cavalinhos do Bozo, sobre quem brigava com os irmãos, sobre qual era o pior castigo que nossas mães nos aplicavam, sobre qual era o nosso sonho de consumo em se tratando de brinquedos velhos, e por fim sobre qual era a nossa brincadeira preferida.
Devo dizer que por ser o único homem em uma sala com com mais 4 mulheres, as Barbies ganharam na preferência da amostragem, com larga vantagem. Ainda por cima a descrição das brincadeiras teve teve uma riqueza, jamais vista em outras dicertações. Ouvi durante toda uma tarde relatos do tipo: "Na minha época não tinha o Ken, nem os filhos da Barbie, então eu usava o Falcon do meu irmão como marido, e a Moranguinho era a filha!"; ou ainda: "A minha Barbie criava o Meu Querido Pônei no quintal da casa dela!"; ou melhor: "Meu Ken não servia pra nada, ele só ia trabalhar e ficava sentado no sofá, agora minha Barbie só se arrumava, se penteava e trocava de roupas o dia inteiro, sentada nos potes de Danete!".
Por ter uma irmã que sempre fez parte da minha vida e que sempre foi uma das minhas grandes amigas, eu sabia exatamente do que elas estavam falando, de todo esse "reaprovaitamento" da linha Estrela pra ajudar a criar o mundo da Barbie, da problemática das Barbies brasileiras serem branquelas e não poderem de forma nenhuma molhar o cabelo, da sucata de potes de iogurte, yakult e caixas de sapato que se tornava esse tipo de brincadeira e do poder de imaginação que era preciso pra tornar aquele monte de plástico, papelão e lixo numa fábrica de histórias de futilidade, ambição e desejo de consumo.
Isso tudo também me fez pensar onde estariam aquelas Barbies que fizeram a alegria da minha irmã durante tantos anos, e que enfeitaram o quarto dela em lugar de honra durante toda a infância. Todas aquelas Barbies, que tinham nomes intrasferíveis e importados, que sempre estavam lindas e sorrindo, paradas na prateleira. Quando fui perguntar à minha irmã onde estavam aqueles pilares do bom gosto da década de 80, a hoje já mulher de 27 anos, me respondeu displicente que estavam no sótão, em alguma caixa, junto com todas as roupas e com todos os acessórios que elas, as bonecas, usaram até gastar.
Pobres Barbies... Tão ricas e poderosas antes, e agora tão sozinhas e com furos nas roupas. Hoje, quando passo pela entrada do sótão, na casa da minha mãe, é impossível não pensar, que aquelas Barbies que eram "tudo que minha irmã queria ser" hoje, dariam de tudo para ser só um pouco do ela é.

Wednesday, September 28, 2005

PANELA DE PRESSÃO

Quando você começou a cozinhar, isso quando era bem pequeno mesmo, a única coisa que sua mãe te proibia de usar era a famigerada panela de pressão. E durante toda a sua vida você cresce com esse mito, até hoje quando usa o fatídico utensílio, te dá um certo medo da hora de abrir e a tampa explodir na sua cara.
Todo esse enunciado, serviu pra ilustrar o que você estava pensando no seu carro, no transito, com foto pra ir acompanhar, com prazo de folder pra voltar e entregar, com uma campanha institucional pra conceituar, com o telefone que não parava de tocar, com cachorra doente pra medicar, com crise na família pra separar e com o carro toda hora préstes a andar. Aquele sentimento começa a te dar quase uma parada cardíaca de ansiedade. Porque estavam te cobrando de tantas coisas ao mesmo tempo? Já parou pra pensar quantas coisas as pessoas te cobram? Quantas coisas precisam ser feitas com um prazo determinado, simplesmente porque alguém determinou assim? Quantas perguntas tem que ser respondidas em espaços ridículos de tempo, que quase não te dão a chance de pensar? Pronto, é nesse exato momento que você começa a se sentir como a panela de pressão da sua mãe, aquela que era um perigo e que a qualquer momento iria explodir.
Você começa, literalmente, a sentir que vai dar um "tilt". Um "tilt" sério, como aqueles dos desenhos da Turma do Pica-Pau, sabe? Onde o personagem ficava com aquela cara de abobado e dos olhos, boca e orelhas saíam aquelas línguas-de-sogra enlouquecidas e aquelas bandeirinhas com ritmos malucos!
Agora você não sabe ao certo o que está fazendo, nem o que vem a seguir, mas tem certeza que pior não pode ficar. Aí então você para o carro na calçada, respira, muitas respiradas, lembra do blog de uma amiga e começa a "respirar pela barriga". O trânsito dá uma aliviada, a ponto de você conseguir desviar e entrar numa rua tranquila, perto de uma pracinha que você conhece. Quando você chega na praça, para o carro, desce, desliga o celular e respira de novo, seus problemas parecem estar diminuindo a medida que o ar entra.
Andar sem destino pela pracinha e colocar as idéias em ordem, embaixo de chuva, te parece ser a única coisa sensata a fazer no momento. E quando você começa a caminhada você tem certeza que essa era mesmo a melhor atitude a se tomar.
Mais ou menos duas horas depois, completamente molhado você chega em casa com uma cara serena. Seus problemas já não parecem tão grandes, e te olham do chão meio que só esperando uma direção. As pessoas a sua volta já não te cobram nada, na verdade nem falam com você. Tudo está em paz, estranhamente sereno, e tudo pode esperar. Desconfiadamente você lembra de novo da panela perigosa, e de como muitas vezes ela precisa ser molhada com água bem fria, pra poder aliviar a pressão.

Wednesday, September 21, 2005

VOLTAR À MALHAR

Eis que começam a soprar as primeiras brisas do verão, e surge em você uma inacreditável vontade de começar a frequentar novamente a academia todos os dias, só pra em janeiro poder fazer a linha "garoto sem camiseta molhado" na praia.
Então numa bela noite, depois de quase uma semana direto sem resultados aparentes, você vai conversar com um daqueles que não precisam fazer o projeto verão, e que ganham dinheiro só pra dizer que você está fazendo tudo errado, que além disso também são pagos pra te contar que você está gordo e que pode se esforçar mais. O que ele também te diz que o que você precisa é, comer mais e melhor. O cara te passa uma dieta maluca, onde você ingere mais frutas do que o seu salário pode pagar e tem que fazer, no mínimo, 6 odiosas refeições por dia. Basicamente você se transforma no "Rei do Tupeware" e é obrigado a sair de casa de manhã com mais ou menos umas dezoito vazilinhas cheias de coisas como: frutas picadas e descascadas, sementes que você achava que só passarinho comia, e que eram impróprias para o consumo humano, kits de polenguinho light mais torrada com 725 grãos diferentes, entre outras maluquices.
As pessoas do trabalho te olham de modo estranho, pensando o que uma pessoa que quer ficar com tanque no lugar da banha, está fazendo comendo tanto? Você nem ligando para os comentarios, suja o mouse com abacaxi e bola pra frente, engole uma barrinha e printa o layout, dá uma mordida na maça e pede mais prazo no telefone e o dia se desenrola inteiro assim. Você está sempre de boca cheia, sempre mastigando, sempre tomando água, sempre levantando pra fazer xixi, sempre com uma semente entre os dois molares e sempre precisando ir escovar os dentes. Você já começa a perder calorias aí, só pela quantidade de vezes que precisa levantar da sua cadeira pra fazer outras coisas.
O fato é que você acaba comendo tando que dá até um certo peso na consciência de não ir à academia no fim do dia. Deve ser aí que o método se baseia, na culpa. Mas quando no final de tudo, você desce da esteira pingando até a última ponta do cabelo e pensa que agora é só mais um lanchinho, banho e cama, dá um prazer tão grande que a vontade é de começar tudo de novo.

Sunday, September 18, 2005

QUANDO ELA VIRA PESSANHA

Quem bebe todo dia, sem controle, tem mais é que entrar no A.A., se tratar pesado e parar de encher, mas os alcoólatras de fim de semana bem que me agradam, e sempre tem na ponta da língua uma história ótima e divertida, boa para ser contada em festas, batizados, almoços de família e velórios. Esse é o caso da Rafa, uma amiga muito querida que quando bebe se transforma no Pessanha, um ser tosco, sem escrúpulos, bronco, desbocado mas muito engraçado e imperdível, caso muito parecido com o do Dr. Jackil.
Quando a Rafa bebe, nunca bebe pouco, mesmo quando diz que está tranquila. Ainda bem, porque sem suas aventuras, nossas noites nunca seriam as mesmas. Não é raro ver a Rafa transmutada de Pessanha falando muita merda, feito a Heleninha Roitman, importunando a hostess, tirando uma com o barman e subindo no queijo. A Rafa pode estar caída, jogada, dormindo num canto da balada, se alguém a chama para ir embora e o efeito da vodca ainda está bombando, a moça simplesmente levanta e começa a dançar de novo, mesmo que já não tenha mais música ou mesmo que vocês já estejam para fora, sob a luz do dia.
A última da Rafa aconteceu num dia mais ou menos assim, onde todo mundo já chega calibrado no lugar de sempre, e aos poucos as pessoas vão indo embora meio que à francesa. Lá pelas tantas da noite, a Rafa, que já tinha virado Pessanha à tempos, decidiu ir embora. Conversou com alguém na fila, teve um lapso de memória, se viu beijando um cara, teve outro lapso de memória e acodou com um moço dirigindo um caro.
A Rafa, caindo em sí, reparou no moço que não era tudo isso, mas era fofo, porque afinal a estava levando para casa, recostou a cabeça no ombro do tadinho, quase que ternamente e dormiu mais um pouquinho. Depois de um tempo, todo fofo novamente, o cara a acordou e perguntou: "Qual é o número?". Ela respondeu com um sorriso todo meloso, já quase que pegando sentimento no seu herói desconhecido.
Ao chegarem na porta do apartamento ele disse: "Então?", e ela toda melosa de novo, já nem lembrando sua segunda personalidade, foi agradecidamente levando seu lábios em direção aos dele, fechando os olhos para o beijo que selaria a noite. No meio do percurso, o cara segurou a Rafa, até com uma certa agressividade contida, e disse assustado: "Não, não moça. Não quero isso, não. São 20 pela corrida!". O mundo da Rafa caiu, quando ela constatou onde estava, e viu o taximetro marcando R$ 19,78, bem em cima da sua cabeça! Mal conseguia conter o choro do embaraço ao pegar o dinheiro, e pagar aquele maldito taxisita.
Ao chegar em casa, depois de lembrar que se aninhou no taxisita, depois de lembrar que tentou beijar um pobre trabalhador da madrugada, depois de sofrer calafrios de vergonha, só restou pra Rafa ligar pros amigos e contar mais uma das suas. A Rafa de lá, só amaldiçoa sua dupla personalidade com a vodca, e nós daqui, mais uma vez, damos graças a Deus por existirem pessoas com essa qualidade de história, e com esse nível de dupla personalidade.

Thursday, September 15, 2005

DEIXAR FELIZ

Nós todos, "adultos normais", sabebemos bem o que fazer quando queremos deixar alguém feliz, radiante, contente ou só um pouco mais mole com a vida. Mas estive pensando ultimamente se alguém sabe como me deixar feliz? Na boa, acho que nem todo mundo.
Será que alguém acredita que vai te deixar feliz te perguntando descaradamante se você deixou de malhar? Ainda com aquele "tonzinho" que descobriu um segredo seu: "Você deixou de malhar, né?". Ou será ainda, que alguém pensa que vai te deixar quando não aprova o seu layout? Ou ainda, quando alguém comete um erro no R.H. e seu banco de horas é misteriosamente decepado? Não, a maioria das pessoas não sabe como me deixar feliz. Definitivamente.
E olha que deixar feliz alguém como eu é algo tão fácil, que não requer prática e nem tão pouco habilidade. Pra me ver contente é só dizer que eu estou magro, sempre, toda hora, repetidadas vezes e com convicção. Pra me ver super-bem-humorado é só aprovar meus layouts de primeira, sem alteração e sem querer ouvir o conceito ou a defesa daquilo tudo. Pra me ver saltitante é só me dar chocolate no meio da tarde, sem nenhum motivo oculto, sem nenhum interesse, apenas uma porção de endorfina sem fins lucrativos.
E eu ainda fico feliz com outras coisas mais simplórias ainda, como quando eu ganho dinheiro extra, ou quando eu saio bem numa foto, ou quando minha família não arma a maior gritaria por causa do balde de pipoca, ou quando eu durmo de "conchinha", ou quando eu ganho presente, ou quando meu cabelo acorda baixo, ou quando tem pelo menos um filme bom passando em um dos 758 canais da televisão, ou quando eu tenho uma boa conversa com alguém, ou quando minha mãe me faz cafuné, mesmo sabendo que eu não tenho mais idade pra isso, ou quando eu posso comer BIS sem culpa, ou quando eu posso comer qualquer coisa sem culpa, ou mesmo, quando no meio da tarde eu recebo um e-mail tão lindo, que me faz flutuar por entre as cadeiras do escritório, e não pensar em mais nada. Pensando bem, eu acho que voltei a pensar só agora.

Wednesday, September 14, 2005

DEMAIS

Todos achavam que ela falava demais, que andava bebendo demais, durante dias demias, que essa vida agitada que ela estava levando, não servia pra nada, o fato de andar por aí de bar em bar, de bar em bar. Diziam até que andava rindo demais, alto demais, e que contava piadas demais, que não largava o cigarro e dirigia o seu carro correndo demais, sempre chegando no mesmo lugar.
Todos achavam também que ela tinha festas demais, comemorações demais, empolgação demais, amigos demais, opiniões demais, e que apesar de ter dinheiro demias nunca conseguia acertar sua vida, porque tinha dívidas, tinha dívidas demais. Falavam inclusive que ela teve namorados demais, que pertenceu a homens demais, que se deixou envolver demais por pessoas superficiais demais. Implicavam até por ela ser engraçada demias, por ser estabanada demias, escandalosa demias, por estar sempre bem vestida demais, por usar maquiagem demias, perfume demais e por falar sozinha demais.
Sua família achava que ela já estava perdida demais, sumida demais, seus amigos que andava querendo sair demais, até no seu trabalho as pessoas comentavam que ela produzia demais, fazia demais e trabalhava demais.
O que ninguém sabia é que isso acontecia porque, ela ia passar a vida esquendo um amor que ela já não poderia mais ter. E a razão dela viver esses dias banais, é porque o amor dela era imenso, era enorme, demais.

Monday, September 12, 2005

A CINDERELA E O TANGO

Viver um conto de fadas nos dias de hoje pode parecer meio piegas, meio coisa de romântico ultrapassado mas quando acontece com você, ai então vem a certeza de que os padrões jamais serão os mesmos.
Digamos que você esteja em um país estranho, onde todo mundo é bonito e mesmo não falando sua língua todo mundo te entende. Aí um dia, muito despretenciosamente você cai numa festinha bacana, aniversário de uma balada local, com um dono de bar muito louco e até um cachorro que veio prestigiar o empreendimento. No meio de toda essa confusão, você vê parada na escada uma figura que difere das demais. Uma figura que difere não só por sua beleza fora dos padrões, mas também pelo seu jeito de estar, pelo seu modo de beber, pelo fato de estar sozinha, pelo seu jeito de olhar e principalmente pelo seu jeito de te olhar. Sim, a figura passa boa parte da noite te olhando, e você retribui, mesmo acreditando que aquilo tudo é muita areia para o seu nem tão caminhãozinho assim. E de repente você sente medo, muito medo que aquela Cinderela vá embora correndo do baile e te deixe ali sem uma pista do seu paradeiro.
Num dado momento chega um par pra sua Cinderela, uma criatura estranha que com o passar do tempo se revela um amigo. "Uffa!!", mas agora você precisa que esse amigo dê área, já que a situação se tornou insustentável de tanto que você e a Cinderela se olham. Você resolve andar na balada, não aguenta mais aquela angústia, ao subir a escada tropeça, feio, e de tão passado tropeça de novo, mais feio ainda. A Cinderela não nota, ou finge que não nota para não deixar sem ação o seu pretendente desastrado.
O amigo então finalmente vai pegar uma bebida, é a sua deixa, sua hora de entrar em cena, a Cinderela te olha nervosa, você vira o resto da sua bebida para tomar coragem e vai. Passa do lado dela e simula um comprimento, ela retribui mas você não tem certeza, então comprimenta de novo e ela retribui novamente quase que rindo do seu "modo trapalhão de agir". E então vem tudo aquilo que todo mundo já está cansado de saber, aquele monte de perguntas sem sentido, qual o nome, a idade, a profissão, o tipo sanguineo que no momento não fazem a menor diferença. A conversa se desenrola sem problemas, mas está se tornando meio fria, longa, sem sentido, a Cinderela joga duro, não te deixa sair de perto mas ao mesmo tempo não te dá brechas descaradas, até que antes de uma ida até o banheiro ela diz no seu ouvido: "És muy lindo!".
Num rompante de felicidade e mais uma série de atos desastrados, você a agarra no meio da caminhada e a beija. O beijo era exatamente do jeito que você achava que era, mas não só isso, tudo era perfeito em todos os passos que vieram a seguir, em todos os passos malucos do tango em que iria se transformar suas férias.
E então, no meio de dias e noites intensas, a dança vai se tornando a melhor que você já dançou, a cada novo passo, a cada nova volta, tudo é novo e tudo é lindo, como num conto de Grimm. Mas a madrasta está com o relógio contando as horas para acabar com a sua alegria, que muito já fez para atrasar o destino, inclusive estourar bonito um dos cartões. E eis que, na hora marcada pela profecia, o feitiço se completa. Sem pensar muito no que pode acontecer, você diz tudo que pensa, meio atropelado, meio por entre lágrimas, com um nó na garganta que não sai, e o pior é que tudo que você disse, vê que é recíproco quando a Cinderela começa a falar, e te doi tanto escutar como se não fosse. Uma despedida cheia de choro é a última visão que você tem da Cinderela, uma visão meio embassada, até pela sua própria tristeza.
Ao chegar na sua cidade, com os olhos inchados vermelhos e até meio cansados, você só consegue pensar que depois de tudo isso, sua vida nunca mais será a mesma, sempre haverá esse índice de comparação para tudo. Porque enfim, seu padrão subiu tanto, que vai ser muito difícil que o raio caia duas vezes no mesmo lugar... mas tomara que caia, afinal nada é impossível em um conto de fadas.

Friday, September 09, 2005

OS ARGENTINOS

Podem falar o que quiser mas os argentinos são sim o povo mais chic, arrumado, europeu, educado, lindo e cheio de "mulets" da América Latina. Os argentinos esbanjam um ar de cultura, de povo bem nascido, que é muito raro ou quase nulo no Brasil. Os argentinos sabem de tudo, desde o dia da nossa independência até quem é o nosso santo padroeiro, e por incrível que pareça nos tratam muito bem. Nem todos os argentinos amam o Maradona, como aqui nem todos amamos o Pelé.
Os argentinos tem festas fechadas, muitas delas já que não é difícil arranjar motivos nem gente bonita para tanto. Argentinos são politizados e discutem governantes com a mesma paixão que discutem alfajores. Os argentinos falam rápido, se tornam amigos rápido e como nós adoram uma boa conversa, mesmo que truncada pelo idioma.
Os argentinos falam espanhol desde pequenos e divertem só tomando vinho nacional. Os argentinos também comem bem, seus restaurantes modernos expõe o que há de melhor na cozinha mundial. Com atendimento V.I.P. você é convidado a degustar tudo que o mundo pode oferecer de bom ou o que você entende que o mundo possa te oferecer de bom.
Num lugar como a Argentina, você se pergunta várias vezes como a distância pode ser menor de São Paulo a Buenos Aires do que de São Paulo a Bahia, como podemos ter algo tão bom tão perto e não nos dar conta. Num lugar como a Argentina você se sente bem, mesmo com a boca toda rachada e com o vento te cortando os ossos. Num lugar como a Argentina você anda a pé, ou de taxi, mas a pé acaba se tornando muito mais bonito, e às vezes até mais lucrativo.
Os argentinos só erram quando cortam o cabelo, ou quando guiam pela cidade, ou quando não torcem pelo Brasil na copa, no mais só acertam. E acertam tanto que fica até difícil ligar pros defeitos, pensando bem... Que defeitos?

Thursday, September 01, 2005

DESCANSO MERECIDO

Depois de um longo e tenebroso agosto, depois de não haver mais respeito, depois de tudo ter sido feito, depois de tudo que podia ter dado errado, ter dado errado, depois de tudo que podia ter dado certo, ter dado certo é a hora de você acender um cigarro, dar uma longa tragada, pegar suas coisinhas e sair de férias.
Ao olhar pra sua mesa arrumada, dá vontade de desistir, de falar: "Não!! Podem ficar com as férias! Eu não quero mais!". O ciúme das suas coisas, dos seus trabalhos é tão grande que você não quer mais ninguém mexendo. Mas aí você se orienta, lembra de como tudo estava, como o mundo estava estressante, respira fundo e sai. E sai com a vontade de que quando você voltar, esteja tudo no mesmo lugar e todo mundo te esperando, bonitinho, igualzinho... De preferência com bandinha no aeroporto e faixas de saudade na rua.
Isso tudo é pra dizer que quem vai sair de férias sou eu, coisa rápida, mas valiosa! Por isso esse meu querido Blog, pelo qual eu zelo tanto e tenho tanto amor, vai ficar um pouquinho desatualizado duante a próxima semana.´
Vai ser um bom laboratório, uma colhida de novas histórias, novas experiências, novos personagens, uma bela e "Buena" mudança de "Aires".
Mas eu peço, encarecidamente, que ao final desse tempo vocês voltem, continuem lendo e deixando os posts, os comentários e as opiniões.
Brigado, beijos e até a volta!
DESCONTROLE

O Pedro namorava a Virna. Namorava mesmo, iam casar e tudo. Faziam planos de ter filhos, pousada e o cacete. Um dia, por causa de um controle remoto, eles brigaram, falaram o que não deviam e foi cada um pro seu lado. A Virna ficou péssima, desconsolada, saiu e deu pro primeiro idiota que apareceu na frente dela. O Pedro ficou sabendo, foi lá e socou a Virna, socou mesmo, até matar.
A família do Pedro se acabou, a da Virna então nem se fala. Uma doideira pra quem via que aqueles dois foram feitos um pro outro. Mas também, ela foi dar pra outro cara!! Tenha dó! Não podia ter esperado o Pedro estar com outra primeiro? Tinha que dar assim tão rápido?
Hoje o Pedro tá esperando julgamento lá na décima sétima, nem à prisão especial o lesado teve direito. Bem que o pai do Flavão, que é advogado dos bons, falou pra ele fugir e tal. Mas o trouxão ficou lá, e foi pego em flagrante. O babaca cagou na vida dele inteira, só por causa de uma porra dum controle remoto. Se o Pedro pudesse matar alguém hoje em dia, ele mataria o sem vergonha que inventou o controle remoto. Putz coisa inútil!
Eu em casa tomei uma atitude, escondi todos os controles remotos de todos os aparelhos. Eu que não vou querer, estragar a estabilidade do meu lar por causa de uma porrinha movida à pilha. Agora lá o negócio funciona assim, quer mudar de canal, levanta. Quer aumentar o som, levanta. Quer diminuir o ar, levanta também. Nada de ficar só sentado apertando botão. Se tiver briga e tal, por causa do canal da TV, se não ganhar o melhor programa, vai ganhar o que tiver melhor resistência física pra ficar levantando toda hora.
(Depoimento colhido uma semana após o ocorrido entre Pedro e Virna. Ninguém nunca mais achou os controles remotos do Seu Dimas. Mês passado ele deu queixa do desaparecimento dos controles lá na décima sétima. Achava que quem tinha roubado era o Pedro, que agora era bandido.)

Monday, August 29, 2005

RELACIONAMENTOS MODERNOS

Ele gosta de vinho, ela de cerveja. Ela sai com as amigas, ele vê futebol em casa. Ele gosta de Metallica e ele não está nem aí. Ele sonha em ter filhos e ela é só pra carreira. Ela compra rimel e ela se veste mal. Ele quer alçar novos vôos e ela morar perto da mãe. Ela só anda de moto e ele comprou um Scenic. Ele só canta samba e ela faz chapinha na sexta. Ele não contou pros pais e mãe dele dá o maior apoio. Ele tem duas mulheres e ela não vive sem ele. Ela é safada e falante e ela quieta e na dela. Ele é metrosexual e ela não frita um ovo. Ele trabalha o dia todo e ela faz compras à noite. Ela almoça no Mc e ele no Figueira. Ele gosta de dirigir, ela gosta de falar. Ele quer morar junto e ele ser promovido. Ele malha sozinho, ela joga volei no clube. Ela quer viajar de navio, ele dormir no domingo. Ele comprou um apê, ela não sai do especial. Ele sonha acordado e ele é "maior pé-no-chão". Ela não menstrua mais e ela ainda sofre de cólica. Ela detesta a irmã dele, ele já beijou a irmã dela. Ela viaja sozinha e ele pra casa dos pais. Ela fez de um tudo e ela mal sabia beijar.
Os pais dele sempre gostaram dela, os dela nunca gostaram dele. Ele quer o azul, ela também mas não fala. Ela o acha careta, ele também mas não aceita. Ela o ofende, ele a abraça, ela dá tapa, ele dá grito. Eles são loucos, mas se compreendem.
Eles nunca se encontram, elas brigam demais. Eles são gays assumidos e eles conservadores proscritos. Eles não se falam mais, eles ficaram amigos depois. Eles são "prafrentex" e eles nem tem tempo pra isso. Eles fazem swing e elas nem sabem que existe. Os dois fazem tudo juntos, mas tem banheiros separados. Os dois não combinam em nada, mas dormem juntos todo dia.
Eles e elas, eles e eles, elas e elas, são tantas as combinações, tantas as histórias, tantas as diferenças, tantas as desigualdades e as semelhanças. O bonito de hoje é que tem pra todo mundo. A oferta tá muita, a procura tá baixa mas a gente vai tentando, vai levando... Deve ser aí que está a graça.

Sunday, August 28, 2005

QUANDO AGOSTO PASSAR

Não sei quem inventou que agosto era um mês difícil, azarento e não sei mais o que, mas essa pessoa estava com total razão. Em agosto já cairam de presidentes a grandes cantoras e fuçando um pouco, dá pra saber que não é só por aqui que existe essa supersitição.
Os romanos deram ao oitavo mês do ano, o nome de agosto, em homenagem ao Imperador Augusto, quando ele estava em alta conquistando o Egito, mas não gostavam de agosto desde aquela época, e pelo visto, nem do Augusto. Eles acreditavam que durante todo o mês um dragão cuspidor de fogo passeava nos céus do hemisfério norte.
As mulheres portuguesas nunca viram tal dragão, mas na época das grandes navegações nunca se casavam em agosto. Se casar nesse mês significava ficar só, sem lua-de-mel e até mesmo viúva. Na Argentina em compensação, ninguém ligava se casava em fevereiro ou outubro, mas ninguém lavava a cabeça durante Agosto inteiro, pois isso significava chamar a morte para perto de sí. E no Brasil, quando a morte já estava perto, era em agosto que ela se manifestava, arrastando correntes e assombrando os vivos.
O engraçado é que conversando com pessoas próximas pude perceber que, ainda hoje, ninguém gosta de dar guinadas na vida em agosto, nem mudar de casa, nem de emprego, nem fazer grandes viagens, nem de casar e nem de fechar grandes negócios. Olha que nem são pessoas superticiosas, mas que no final da conversa sempre soltam aquela frasezinha típica de Vó interiorana: "Agosto não é bom pra essas coisas, você sabe né". Na boa, sei sim, mas não me pergunte o porque.
Só sei que foi em agosto que o Japão invadiu a Coréia, às custas de muito sangue, de muitas lágrimas; em 1º de agosto de 1914 começou a 1ª Grande Guerra Mundial; em 2 de agosto de 1932, Hitler assumiu o governo da Alemanha; em agosto de 1939 se iniciou a 2ª Guerra Mundial; em agosto de 1945 as cidades de Hiroshima e Nagazaki foram destruaidas pela bomba atômica matando mais de 200 mil pessoas; e também em 13 de agosto de 1961 foi iniciada a construcão do muro de Berlim. Mas não foi só mundialmente que o mês do cachorro louco, deixou marcas tristes, em 6 de agosto de 1957 as estatísticas acusaram um saldo de cem mil desempregados em São Paulo; em 13 de agosto do mesmo ano foi decretado estado de calamidade pública no país em conseqüência da epidemia da gripe asiática, transformando em hospitais de emergência as escolas, clubes, repartições estaduais e federais; foi em agosto também que Getúlio se matou, Quadros renunciou e Juscelino morreu.
Credo!! Depois de tanta coisa tétrica, depois tantas agruras da humanidade que aconteceram em agosto, não me admira que fique essa aura pesada voando. Mas o que fica é um sentimento de não ver a hora desse mês conturbado passar, e também a compreensão para com aqueles que não são supersticiosos mas acreditam nas "brujas" de agosto. Que venha setembro, com a primavera e com tudo mais em cima. Pensando bem, primavera tráz pólen, polén traz rinite... Ai, que saudades de janeiro!

Tuesday, August 23, 2005

FELICIDADE RAPARIGA

Marisa era moça direita, no melhor sentido que isso possa expressar. Morava com as tias em Lins, e não havia rapaz que não se enamorasse por ela. Dona de um corpo esguio, de seios fartos, pele curtida, um riso frouxo e um olhar safado, Marisa era virgem, donzela e ponderada com isso. Só queria se entregar casando, pra moço bom, de família, orfã desde a infância, Marisa queria filhos, muitos, uma mesa cheia deles. Não era raro ver diante da porta da casa de suas tias, moços interessados em cortejar Marisa, mas pra ela nada adiantava, sabia no fundo, que quando fosse a hora, olharia no olho do moço, bom e de família, e teria certeza que esse era o escolhido pra vida toda.
Com o passar do tempo a cidade se acostumou com Marisa, sua porta já não vivia tão cheia, seus pretendentes foram se casando com outras, mas seus sonhos, esses sim foram aumentando. Foi então que uma das tias de Marisa adoeceu, câncer coitada! Foi um tal de médico entrando e saindo daquela casa. Ninguém arrumava um jeito de amenizar ao sofrimento da infeliz.
Certo dia apareceu por lá, um doutor galego, cheio dos olhos azuis, de palavras escolhidas e de modos louváveis que além de acalmar a dor da tia, levou consigo o coração de Marisa. Ao cair das tardes de consulta, entre seringas e remédios, a moça era só sorrisos, enriquecia o cardápio dos lanches, lavava os cabelos com água do poço bom, se perfumava, e se arrumava para esperar a visita que não era só dela. Não demorou muito para o moço perceber suas intenções, e depois de uma passada rápida, de modo inesperado, atrapalhado e até um pouco boboca, ele a convidou pra um cinema, no domingo, à tarde.
E no domingo enfim a Marisa era só felicidade, mal conseguia conter as borboletas que tremiam na sua barriga. Sua ansiedade lhe fazia ouvir sinos e só a idéia de estar sozinha com o médico galego, dava-lhe um sentimento de bambear as pernas e um arrepio que vinha subindo nuca.
Na hora marcada, se encontraram os dois no cinema do centro, filme de amor, com beijo no fim, e com beijo no meio também, só que aí era um beijo de Marisa, no médico. Ela não podia acreditar no que estava acontecendo, tudo que sempre sonhou estava se tornando realidade bem na frente dos seus olhos, sentia por ele algo tão intenso que se, naquele momento, ele lhe fizesse qualquer proposta indecente ou inimaginável ela teria aceitado. Mas o moço não fez. Levou Marisa embora em segurança, de braço dado pela calçada, prometendo que iria visita-la quando fosse ver à tia, na terça, às 5 em ponto.
A noite lhe pregou peças suadas, de um desejo contido por anos, um calor lá de baixo que umedecia os seus sonhos e não lhe deixou dormir. De manhã, tomada de um sorriso besta, grande e estampado no meio da cara, Marisa foi servir o café pra tia doente, no quarto do fundo ao lado da sala, e qual não foi a surpresa, de ver a tia motivo do médico, mortinha na cama, com os olhos virados.
Marisa sorriu, como que rindo da mazela que o destino lhe pregara, um riso irônico, meio que sabendo que aquela felicidade toda não era pra ela. Não haveriam mais visitas ao cair da tarde, nem lanches demorados, nem cinema de domingo e principalmente, não haveria mais a visita da terça. Decidida deixou a bandeja sobre a cama, fechou a porta e saiu calada. Não derramou uma lágrima a pobre. Foi a outra tia que encontrou o corpo de Marisa na banheira, pulsos cortados, tadinha!
Na cidade ninguém soube nada porque se matou Marisa, muito menos o médico que tinha por ela um carinho. Uns acharam que foi pela tia, outros por um parafuso a menos, talvez, mas o que ninguém imaginava é que Marisa tinha morrido de véspera, pelo que achava que era sua sina.

Sunday, August 21, 2005

A VERSÃO E O FATO

Orelha de livro sempre foi uma coisa que me fascinou. Passar horas em uma livraria só escolhendo o que, um dia, você poderá vir a ler é algo que dá prazer sem precedentes. Numa dessas, semana passada eu achei um livro que falava sobre o Big Ben, o relógio mais famoso do mundo. O livro contava a história do imponente relógio que fica na Torre do Parlamento Britânico, a St. Stephen´s Tower, e revelava um fato que pouca gente sabia até então que Big Ben não é o nome do relógio, e sim do sino de 15 toneladas, cujas badaladas de 8 notas marcam com pontualidade britânica as boas e a as más horas do Reino Unido. Além disso, o sino levou esse nome por ter sido encomendado por um cara que tinha mais de 150 quilos e era o Diretor do Departamento de Obras Públicas da Iglaterra na época, Sir Benjamin Hall, o Big Ben.
Esse banho de cultura inútil, me fez pensar em duas máximas da minha vida, primeiro em como eu consigo gastar tanto, do meu precioso tempo que me é sempre tão curto, ocupando minha cabeça com bobagens desse tipo? E em segundo em como é difícil e às vezes impossível saber a verdade sobre alguma coisa.
Fiquei tão espantado com o meu nível de ignorância no assunto que fui para o grande oráculo e só numa busca rápida, eu achei mais de quatro versões oficiais para o nome do Big Ben (sim eu perdi mais tempo procurando). Na boa, pouco me importa se é o nome do relógio ou não, se essa é a verdadeira história do nome do sino ou não, mas como dizia José Maria Alkimin: "O importante não é o fato, e sim a versão". Começando a pesquisar sobre qualquer história, e eu estou falando que qualquer coisa mesmo, você vai perceber que o que prevalece é sempre a versão mais interessante, ou a mais glamurosa, ou a mais original, ou um monte delas, mas raramente será a verdade. Temos exemplos disso nas milhares de versões sobre o "Grito do Ipiranga", sobre quem matou a Odete Roitman quando Vale Tudo passou em Portugal, ou mesmo em histórias que servem para justificar de onde saiu o dinheiro do Marcos Valério.
Existem várias versões para todas as histórias do mundo, até mesmo para aquela que você viveu ontem, e isso é profundamente irritante se você for analisar. Pense que se sua história só tiver você e mais alguém de personagens, ela terá no mínimo 3 versões, a sua, a do alguém e a verdade. Isso porque tanto você quanto a outra pessoa, vão dar as versões baseadas em suas vivências, em seus parâmetros, e dos seus pontos de vista particulares. E quanto a verdade, nós que ouvirmos a história, jamais saberemos.
Disso tudo só resta dizer que a única verdade de que vamos sempre ter certeza é da nossa mesmo, às vezes nem essa, e temos que conviver com isso e levar a vida assim meio que às cegas deixando nos nortear pelo que sentimos e pelo que acreditamos. Mas na boa, essa é só a minha versão...

Thursday, August 18, 2005

CAPPUCCINO ASSOMBRADO

O seu dia foi normal, atribulado como sempre mas estressante o suficiente para te fazer aceitar qualquer convinte que recebesse para sair. Ao cair da tarde o telefone toca, o visor do celular mostra um nome que parece gritar pra você não atender. Ignorando qualquer aviso ou premunição você atende, do outro lado a voz conhecida e sombria te convida para um café, depois das 10, no lugar de sempre.
Conforme havia sido combinado, depois das 10 você entra no lugar marcado. O Fantasma já te espera, sentado na mesa, tilintando nos dedos um som que lembram os passos de um condenado. Ao sentar na sua frente, você o encara, sorri, mas ele não. O Fantasma está sério, com seu ar translúcido, reclama do seu atraso e te faz lembrar do tempo que te assombrava. Um garçom de preto e com olheiras fundas vem tirar os pedidos, pro Fantasma um Mooca e pra você um Cappuccino. O Fantasma começa a fezer perguntas, as de sempre, como você está, como anda o trabalho. Você se pergunta o que ele quer realmente, olhando através dele você se pega rezando.
A conversa do Fantasma te fascina, ele sabe como seduzir e tem larga experiência em atrair os humanos para o seu covil. Você se pega mais relaxado, rindo do que ele fala, respondendo suas perguntas sem tantas defesas. Como o Fantasma é bonito, sabe conversar, te faz se sentir bem, por que você estava com tanto medo de vir ao seu encontro?
O Fantasma levanta, diz que vai ao banheiro e sai arrastando correntes pelo café movimentado. Você o segue com os olhos e, ao olhar de longe, nota que ele volta a ser um fantasma assustador, a fazer parte do passado, e que a figura que a pouco te seduzia, deve continuar onde sempre esteve desde quando você a exorcisou. Longe dele as piadas que te faziam rir, agora te causam náuseas, as perguntas que você respondia facilmente te causavam calafrios.
Nervosamente você procura o garçom de preto, pede a conta e começa a ter fé que ela chegará antes do Fantasma voltar à aparecer. Você pede pressa, a conta não chega, qualquer segundo pode ser crucial. Sem aguentar a angústia da espera, você se levanta e paga no caixa, paga o seu e o do Fantasma, afinal são os 7 reais que vão te livrar dele pra sempre. Sua idéia é fugir antes do Fantasma retornar, é deixar o Fantasma sem sótão pra assombrar.
De repente você sente uma mão gelada tocar seu ombro. O Fantasma agora assustado te pergunta o que aconteceu. Com qualquer evasiva, você diz que tem que ir embora. O Fantasama resmunga qualquer coisa, começa a te convencer a se encontrar de novo com ele, você responde que sim, que qualquer dia desses, podem marcar qualquer coisa, diz pra qualquer coisa ligar e sai meio de qualquer jeito. O Fantasma ainda tem tempo de te alcançar e tentar te entregar uma nota de 10 reais, você recusa e diz que fica pela companhia.
Quando você entra no carro, pensa que ele vai demorar pra pegar como nos nos filmes de terror, só para dar mais uma chance ao Fantasma, mas isso não acontece. Você parte com o carro e percebe que o Fantasma está te olhando. Sem pensar muito você acelera, olha o Fantasma sumindo no espelhinho do carro, e toma consciência que lugar de assombração lá mesmo, no seu passado, como uma imagem no retrovisor.

Tuesday, August 16, 2005

O ESTILO MARIA EDUARDA

Maria Eduarda é linda, jovem, com o corpo todo no lugar, a altura boa, a roupa certa, sempre de grife, sempre discreta. Maria Eduarda também tem um nome de grife, quatrocentão, passeia feliz por festas fechadas, onde atende por Madú. Maria Eduarda também é inteligente, mais do que precisa e menos do que deveria ser, tem sempre uma opinião para cada assunto, personalidade forte. Maria Eduarada é bem relacionada, vai pra Angra com fulana, pra Punta com Ciclana e quando era pequena, era "assim" com os Diniz. Maria Eduarda conversa bem, estudou nas melhores escolas, fez as melhores viagens, frequantou as melhores rodas. Maria Eduarda ao primeiro encontro sempre se mostra completa, tudo que todo mundo sempre sonhara.
Maria Eduarda nas festas nunca está só, mesmo que para isso tenha que acorrentar um tadinho com falsas promessas, enquanto se usa dele para dar o bote em outros. Maria Eduarda faz coisas feias, mas diz que nunca fez, dissimula alterada, mente calada. Maria Eduarada coleciona inimigos, mas os comprimenta como numa grande festa, faz suspense sobre histórias, sustenta um ar de saber demais, se mostra confiável. Maria Eduarda conversa se colocando como comum, se faz modesta, sempre espera ser exaltada, ser elogiada, pois esse é o papel do homem para com uma moça de família. Maria Eduarada faz a linha carente sem noção de suas atribuições, estilo mais recomendado pela etiqueta tradicional para "mocinha casadoira". Maria Eduarda bebe, e bebe bem, e fica chata, como se já não fosse.
Maria Eduarda fez carreira rápido, pegou uns cinco, dez, vinte dos mais importantes e deixou passar. Maria Eduarda ostenta conquistas, que jura que nunca aconteceram, afinal ela gosta de acrediar que ainda é moça direita, que infelizmente caiu na boca do povo. Maria Eduarada age como se interpretasse um "Closer", só que com maquiagem e roupas melhores. Maria Eduarda se diz apaixonda, enebriada, entorpecida, sempre por alguém que não a olha, ou que é casado, ou mesmo por alguém que mora em Paris. Maria Eduarda joga contra, seu satélite safado busca as perspecitivas de outros, onde ela não pode ser passada pra trás, e a lança no humilhante vôo só de ida para o caminho dos solitários.
Maria Eduarda toma remédios, muitos remédios, uma coleção deles, pra acordar, pra dormir, pra emagrecer, pra parar de sofrer, pra ficar catatônica. Maria Eduarda te comprimenta reclamando, reclama que o drink está quente, que o vento está frio, que a balada está cheia, que a janela está aberta. Maria Eduarda pensa em suicídio, não que pense de verdade, mas acha que os outros acham que pensa. Maria Eduarda desenterra papos fúnebres, diz que vai morrer cedo em desastre de carro numa estrada de Mônaco, no melhor estilo Grace Kelly. Maria Eduarda desmascarada, agora tem um ar perdido, com um copo na mão no canto da noite, gira o olho nervoso em busca da próxima vítima. E você, olhando tudo de longe e já cansado desse filme repetido se pergunta: "Quem trouxe a Maria Eduarda?".

Friday, August 12, 2005

O MINISTÉRIO DA SAÚDE ADVERTE

Comece se imaginando sem amigos, com todo mundo a sua volta mas, sem amigos de verdade. Agora se imagine com oitenta anos e sem amigos, só com uns poucos netinhos e uns filhos que tem mais o que fazer. Horror né? Acho que cultivar amigos sempre deve ser uma prioridade na vida, ainda mais agora que um estudo feito por um centro de pesquisa autraliano, comprovou a tese de que não dá pra viver sem amigos.
Mais de 1500 pessoas, com mais de 70 anos, foram acompanhadas na cidade de Adelaide, Austrália. O Estudo Longitudinal de Envelhecimento na Austrália mostra que quem tem um círculo de bons amigos, mas amigo mesmo nao aquelas coisas só de fachada, tem 22% menos chance de morrer que os que não tem. Louco né?
Louco, mas faz muito sentido. Quem tem amigos ri mais, se diverte mais, compartilha mais, tem mais estabilidade emocional e por consequência é mais feliz. A felicidade está ligada ao bom funcionamento do sistema imunológico, endócrino e vascular. Além disso tudo, amigo se importa com você, pergunta se você está cansado, te faz ir ao médico, se preocupa com o que você come, se preocupa com você, porque ele, vai sentir falta no dia que você não estiver mais lá. Pronto, pode pensar que alquela sua vizinha velha e carola, que vive reclamando das suas festinhas, não perde por esperar. Se ela não tem amigos, provavelmente irá te encher por pouco tempo, à não ser que ela seja a "bacanona" da missa das 10 e o problema dela seja justamente você.
A primeira coisa que me tocou quando li sobre essa pesquisa, foi o fato da Autrália se preocupar e investir em um trabalho que a maior parte das pessoas consideraria banal. A Autrália aí já se mostra um puta amigo dos seus velhos. E a segunda coisa impressionante que esse estudo mostrou, foi que família não basta e muitas vezes não conta como amigo. Família é família, e amigo é amigo. Amigos e familiares são diferentes, e tem que ser, um te confronta e a outro te conforta em diferentes momentos, você ama os dois, você quer os dois, você tem que alimentar os dois e à partir de agora, está cientificamente provado, que você precisa dos dois pra viver.

Wednesday, August 10, 2005

O DIA QUE VOCÊ PRECISA

Vamos dar uma idéia do cenário geral. Primeiro você acorda atrasado, mas não um atrasado normal, um atrasado do tipo perdi-a-academia-e-se-demorar-mais-sou-mandado-embora. Aí você toma um banho urgente e se veste desesperado ao som da reforma interminável que o seu vizinho está fazendo. Seu cabelo é um problema à parte, depois do banho ele secou muito rápido e você ficou parecendo uma versão latina do Koisume, o primeiro ministro japonês. Sem mais delongas você pega qualquer coisa no guarda-roupa, se joga dentro e sai desembestado pro trabalho, como se um pitbull tivesse correndo atrás de você.
Ao chegar a sua chefe te olha, como se você já estivesse lá há horas e fala: "De urgente a gente tem...". Sua vontade é de gritar: "Como assim de URGENTE?!!! Eu acabei de chegar!!", mas você respira fundo, começa sua sina e deixa o mundo cair. Como que por obra de um destino muito canalha, seu escritório também está em reforma, o barulho te tira completamente a concentração, pó cai na sua cabeça, furadeiras e marteladas são a trilha sonora.
Na hora do almoço você resolve que já é muito tarde pra convidar alguém e vai sozinho mesmo. Come uma comida que não era bem isso e vai levando o dia nas costas. Ao cair da tarde o layout que você fez e achou que estava bom, já tinha sido refeito quatro vezes porque o briefing mudou e, na atual conjuntura ele parecia um Frankestain. O resto do dia corre como se você estivesse anestesiado. Quando você sai do trabalho, esgotado, lá pelas oito horas da noite, você decide que hoje é um dia que você precisa...
Precisa beber, precisa ver seus amigos, precisa dar risada, precisa se divertir, precisa ser compreendido, precisa falar merda, precisa falar qualquer coisa, precisa se sentir querido, precisa ouvir que os outros estão com saudades, precisa relaxar e precisa fundamentalmente de um abraço. Desculpem os que não querem se dar, os que não podem compreender, prometemos que não será todo dia, porque quem faz isso sempre é o chato, mas tem dias, alguns pouquissímos dias que a gente só precisa...

Monday, August 08, 2005

QUADRILHA

Jõao ama Maria, que ama Pedro, que ama Antônia, que ama Carlos, que ama Lúcia, que ama Paulo, que ama Márcia, que ama Alberto, que ama Marcos, que ama Larissa, que anda indecisa entre o Cláudio e a Regininha. A vida de todo mundo tem dessas passagens. O engraçado é que trocando os nomes essa poderia ser a história de muita gente que conhecemos, até mesmo a nossa, e o poema onde me inspirei pra escrever essa bobagem foi escrito há um puta tempo, quando o Carlos Drummond de Andrade estava em um momento ímpar de inspiração. O poema inteiro, tem um final diferente, mais romântico, mais poético, mas na nossa vida o fim é como o meu mesmo, tudo mal resolvido com um monte de gente envolvida e pouca solução.
Nunca fui muito fã de ler poemas, sempre achei a profundidade deles um pouco chata e confusa, mas acho que hoje, devido à profundidade que a minha própria vida tomou às vezes, mas muito às vezes mesmo me pego lendo poemas. Nada famoso, nem nada "nova geração progressista de vanguarda, etcétera", mas uma coisinha aqui outra acolá, eu leio sim.
Quadrilha eu conheci de um modo estranho, estava sentado em um ônibus (no tempo que eu ainda pegava ônibus) e uma menina, mais ou menos da minha idade estava elndo um livro de poemas... Como eu não tinha nada melhor pra olhar dentro do coletivo e muito menos fora, resolvi pegar carona na leitura da garota, afinal como era um pouco só de texto por página, sempre com começo meio e fim eu podedia ler, desencanar, voltar a ler. Até porque que lê poemas para depois pra refletir.
Foi então que no alto da página estava lá escrito: "Quadrilha". Eu pensei que devia ser algum tipo de bobajada, a lá "festa de São João" e li. Ao terminar não entendi e voltei ao começo, li de novo e de novo, ao olhar para a menina, ela estava aos prantos, chorava copiosamente e as lágrimas caiam gordas no livro. Parei na hora de ler o livro da garota! Menina louca! Lê uma coisa daquelas e chora!? Essa história passou e muito tempo depois eu vim reler "Quadrilha", não é que, ao entender toda a complexidade do poema, ao ver que a nossa vida com o passar dos anos fica cheia desse tipo de desencontros, tive que enxugar a lágrima que escorreu no meu rosto. Mas eu acho que essa lágrima não escorreu só por eu ter me ligado do que antes era complexo demais pra mim, mas sim por eu também ter compreendido os motivos daquela garota chorona do ônibus. Que fim será que se deu na quadrilha dela?
Com vocês, Carlos Drummond de Andrade: "João amava Teresa que amava Raimundo, Que amava Maria que amava Joaquim que amava Lili, que não amava ninguém. João foi para os Estados Unidos, Teresa para o convento, Raimundo morreu de desastre, Maria ficou pra tia, Joaquim suicidou-se e Lili casou com J. Pinto Fernandes, que não tinha entrado na história."

Thursday, August 04, 2005

OS CONHECIMENTOS DAS PERGUNTAS

Ontem eu recebi um e-mail de uma amiga que com certeza me fez voltar no tempo. O e-mail continha um monte de perguntas simples respondidas por essa amiga, que eu deveria responder também e reenviar pra ela. Além disso eu também deveria enviar esse e-mail para os amigos que eu gostaria que respondessem essas perguntas, e foi o que eu fiz. A experiência foi fantástica, as respostas que eu obtive foram incríveis, e pude percebere que conheço pouco aqueles com quem eu convivo. Tudo me fez lembrar dos cadernos de perguntas que rolavam direto na classe durante a quinta série, se tornaram mais raros na sexta e cafonas na sétima, para minha tristeza.
Sempre achei que você só conhece realmente uma pessoa, quando sabe de que fruta que ela mais gosta, que sabor de picolé ela prefere, se quando toma sorvete de massa prefere copinho ou casquinha, qual sua cor predileta, quantos filhos gostaria de ter, qual o nome do seu primeiro cachorro, que dia da semana ela corta as unhas, entre outras idiotices. Esse tipo de pergunta só tem resposta se você conviveu muito com a pessoa e notou isso sozinho, ou se você já conversou tanto com ela, a ponto de os assuntos normais se esgotarem e vocês se verem obrigados a conversar sobre coisas menos usuais.
Para os adolescentes da minha geração, o pretexto para conhecer alguém mais a fundo eram os cadernos de perguntas. Neles você encontrava das perguntas mais comuns às mais descabidas, todas ali, esperando pela sua resposta, e você ainda podia colocar uma resposta igual a de alguém com o famoso "idem"(as respostas mais criativas, ou das pessoas mais populares sempre eram copiadas por vários "idem"). O melhor dessa história era quando você era amigo da dona do caderno e podia levar pra casa pra responder, aí além de colocar suas respostas você ainda podia ler uma por uma das respostar e achar com a suca cabeça de criança, que conhecia todo mundo que estava alí. Na boa, era quase um "Orkut Manual Portátil". Engraçado como achamos formas novas de fazer as mesmas coisas.
Lendo as respostas dessa minha amiga eu me perguntei de quantas pessoas hoje, eu sei qual é a música preferida? Quantos dos meus amigos eu sei que já passou por algum acidente? Ou mesmo qual é o livro que mais marcou as pessoas que eu gosto? Só sei que foi me dando uma vontade enorme de passar aquele e-mail para toda a minha lista de e-mail, pra todas as pessoas do trabalho, pra toda a família mas daí eu me contive. Pensando bem, mas bem mesmo sobre o assunto, não é todo mundo que eu quero que saiba qual é minha comida preferida, tem gente que eu prefiro que adivinhe.

Wednesday, August 03, 2005

A TRILHA DE UMA QUEDA

Todas as pessoas que se aproximam dos trinta com certeza já sofreram por alguém, ou já foram chutadas, ou já foram traídas ou já sofreram por sofrer, simplesmente. Sofrer por alguém é algo nato na minha opinião, desde os primórdios as pessoas já sofrem umas pelas outras. Concordo que antigamente era mais poético e enchia os trovadores de inspiração, mas acho que hoje passa um pouco batido, talvez porque a oferta seja muita, talvez porque a nossa vida atribulada não nos deixe parar pra pensar ou mesmo porque talvez tenhamos descoberto que que não é legal sofrer por alguém, talvez hoje em dia gostemos um pouco mais de nós mesmos. Mas o fato é que já aconteceu com todo mundo, e mesmo com tanta modernidade e avanço ainda não inventaram nada que pudesse curar isso. É incrível a quantidade de gente linda, interessante, inteligente, que não tem bafo nem xulé, que sofre por cada uma que pelo-amor-de-Deus!
A melhor coisa a se fazer, depois que acontece uma dessas com a gente, é parar, lamber as feridas e se preparar para a grande volta por cima. Ela pode demorar pra chegar, mas como o mundo é redondo (e isso ele é mesmo), um dia ela vem. Pode vir na forma de um grande novo amor, ou então numa carreira bem sucedida, ou mesmo na forma de uma pequena, doce e inigualável "caída na real"...
Imaginem então que alguém tenha te feito sofrer, o suficiente pra você nunca mais olhar na cara dessa pessoa. Acrescente a essa lembrança uma festa badalada algum tempo depois, quando vocês finalmente conseguem conviver socialmente. Na hora que vocês se vêem sua cara é de surpresa (pode imaginar aquela sirene do "Kill Bill" tocando), depois vocês passam a conversar como civilizados que são, mas como ambos são loucos vem surgindo aquele sentimento de carinho (que você queria ter matado no primeiro momento) e em seguida aquele papinho-pré-xaveco. Você sente que alguma coisa está errada, que aquilo não vai dar certo, procura alguém pra te tirar dali, passa os olhos na festa toda em busca de socorro, mas na hora quem não está bêbado, já foi (nessa hora pode estar tocando "Light my Fire" do The Doors).
Depois de muitos e muitos goles, depois da conversa ter esquentado, esfriado e voltado a esquentar um milhão de vezes, você se achando um idiota, mas mesmo assim curtindo o que está acontecendo, oferece uma carona (música da abertura do "Sex and the City").
Ao chegarem na porta do apartamento, você aceita um convite pra subir e conhecer as mudanças da casa nova. Ao chegar lá em cima, a geladeira está envelopada, tem quadro novo na sala, você vira pra comentar alguma coisa e o beijo rola... (a trilha agora é de "Satisfaction" com "A Rainha da Noite").
Depois de um tempo de beijos, bocas inchadas, tentativas de tornar aquele encontro muito mais que um acaso, depois de muita coisa ser dita nas entrelinhas, depois de perder a noção da hora, passa pela sua cabeça o que você estaria fazendo ali. Quem te deu o direito de esquecer? Você para, olha fixamente para ela que tanto te fez sofrer, lembra de tudo com uma aparência sem reações, respira fundo e fala: "Vou embora".
"Como assim vai embora? O que aconteceu?" diz ela não entendendo o motivo disso tudo. Você não responde nada, afinal de contas, você não precisa responder em algum lugar dentro da cabeça ela deve lembrar, simplesmente você sai, batendo a porta atrás de você com a certeza de que nesse erro você não cai mais. Você sorri, caiu na real sem se machucar mais. Enquanto desce a escada de incêndio, é possível escutar em sua cabeça a última música dessa trilha sonora alucinante, The Blower's Daughter, a música do Closer: And so it is, Just like you said it would be, Life goes easy on me, Most of the time, And so it is, The shorter story, No love, No glory, No hero in her sky...

Monday, August 01, 2005

ADMIRÁVEL MUNDO NOVO

Era uma vez um planeta bem tamanho médio em relação aos seus irmãos, onde só existiam vulcões, mares revoltos, muita lava quente e muito espaço. Um belo dia, sabe-se lá porque, apacereceram nesse planeta, vindas do nada (nunca acreditei muito nessa parte), umas pequenas celulazinhas que conseguiam se alimentar e se reproduzir naquele ambiente inóspito. Como nada pode ser perfeito essas células começaram a ter filhos defeituosos e diferentes de seus pais. Algum tempo depois, e bota tempo nisso, esses filhos "errados" tinham formado os incetos, os peixes, as samambáias e os macacos. Por outra assombrosa obra do destino (essa parte é pior ainda de engolir) os macacos começaram a sofrer o mesmo processo daquelas pequenas celulazinhas e ter filhos "diferentões". Depois de outro bloco enorme de tempo, aparecemos nós.
Já passaram por esse mundo, que ficou um pouco melhor sem o monte vulcões e mares revoltos, cerca de 90 bilhões de pessoas, basicamente com os mesmos problemas, angústias e necessidades que a gente. Existem hoje para cada um de nós, seres humanos vivos, cerca de 15 mortos que já viveram por aqui, proporção maior que a de ratos existentes, que é de 10 para cada homem e bem menor que a de insetos que é de 200 milhões para cada humano sendo que 1 milhão é só de formigas. Resumindo, o mundo nunca esteve tão habitado como hoje em dia e não é a toa que a galera anda se preocupando tanto com o 1% de água potável que ainda temos pra consumir.
Foi analisando tudo isso, o fato do mundo onde eu vivo já ter hospedado tanta gente, de estar tão visto, tão usadinho, tão batido e também o fato de eu estar vivendo em uma época onde com certeza cada canto deste planeta já foi explorado, revistado ou desenhado pelo Google que eu me perguntava como a gente consegue viver os mesmos problemas que provavelmente nossos avós viveram? Como o ser humano consegue ser tão repetitivo? Como consegue ser tão cíclico sem se ligar no que está acontecendo?
Não sei se ando revoltado com a mesmice dos problemas e situações que eu e as pessoas que eu convivo tem, mas é que sinceramente, já deveriam ter inventado um modo de certos problemas não existirem mais. Coisas como falta de grana, carência, corrupção em Brasília, alta desigualdade social, terrorismo, falta de condições básicas e dor de garganta já deveriam ter sido extintas pelos dinossauros, mas não, estamos nós aqui padecendo com as mesmas angústias. Não é que eu queira problemas novos, esses pelo menos eu já sei como lidar, mas será que algum dia essas coisas simples vão ter soluções simples também? Acho que a humanidade, nesses seus séculos de existência já passou por coisa bem pior e ultimamente vem se repetindo na categoria provações, ou por não ter achado nada melhor ou por achar que se a gente não resolveu nem o básico, como pode estar querendo passar para o nível 2?
Se com a Terra desse tamanho a gente já pena pra conseguir se acertar, e nesses anos todos nunca conseguimos, imagine então se ocupassemos a área de Júpter? Talvez esse planeta já seja grande demais pra gente tomar conta, afinal nós e as samanbáias descendemos daquelas mesmas celulazinhas e esperamos conseguir nos mortrar grandes antes que algo realmente grave aconteça.