Tuesday, August 23, 2005

FELICIDADE RAPARIGA

Marisa era moça direita, no melhor sentido que isso possa expressar. Morava com as tias em Lins, e não havia rapaz que não se enamorasse por ela. Dona de um corpo esguio, de seios fartos, pele curtida, um riso frouxo e um olhar safado, Marisa era virgem, donzela e ponderada com isso. Só queria se entregar casando, pra moço bom, de família, orfã desde a infância, Marisa queria filhos, muitos, uma mesa cheia deles. Não era raro ver diante da porta da casa de suas tias, moços interessados em cortejar Marisa, mas pra ela nada adiantava, sabia no fundo, que quando fosse a hora, olharia no olho do moço, bom e de família, e teria certeza que esse era o escolhido pra vida toda.
Com o passar do tempo a cidade se acostumou com Marisa, sua porta já não vivia tão cheia, seus pretendentes foram se casando com outras, mas seus sonhos, esses sim foram aumentando. Foi então que uma das tias de Marisa adoeceu, câncer coitada! Foi um tal de médico entrando e saindo daquela casa. Ninguém arrumava um jeito de amenizar ao sofrimento da infeliz.
Certo dia apareceu por lá, um doutor galego, cheio dos olhos azuis, de palavras escolhidas e de modos louváveis que além de acalmar a dor da tia, levou consigo o coração de Marisa. Ao cair das tardes de consulta, entre seringas e remédios, a moça era só sorrisos, enriquecia o cardápio dos lanches, lavava os cabelos com água do poço bom, se perfumava, e se arrumava para esperar a visita que não era só dela. Não demorou muito para o moço perceber suas intenções, e depois de uma passada rápida, de modo inesperado, atrapalhado e até um pouco boboca, ele a convidou pra um cinema, no domingo, à tarde.
E no domingo enfim a Marisa era só felicidade, mal conseguia conter as borboletas que tremiam na sua barriga. Sua ansiedade lhe fazia ouvir sinos e só a idéia de estar sozinha com o médico galego, dava-lhe um sentimento de bambear as pernas e um arrepio que vinha subindo nuca.
Na hora marcada, se encontraram os dois no cinema do centro, filme de amor, com beijo no fim, e com beijo no meio também, só que aí era um beijo de Marisa, no médico. Ela não podia acreditar no que estava acontecendo, tudo que sempre sonhou estava se tornando realidade bem na frente dos seus olhos, sentia por ele algo tão intenso que se, naquele momento, ele lhe fizesse qualquer proposta indecente ou inimaginável ela teria aceitado. Mas o moço não fez. Levou Marisa embora em segurança, de braço dado pela calçada, prometendo que iria visita-la quando fosse ver à tia, na terça, às 5 em ponto.
A noite lhe pregou peças suadas, de um desejo contido por anos, um calor lá de baixo que umedecia os seus sonhos e não lhe deixou dormir. De manhã, tomada de um sorriso besta, grande e estampado no meio da cara, Marisa foi servir o café pra tia doente, no quarto do fundo ao lado da sala, e qual não foi a surpresa, de ver a tia motivo do médico, mortinha na cama, com os olhos virados.
Marisa sorriu, como que rindo da mazela que o destino lhe pregara, um riso irônico, meio que sabendo que aquela felicidade toda não era pra ela. Não haveriam mais visitas ao cair da tarde, nem lanches demorados, nem cinema de domingo e principalmente, não haveria mais a visita da terça. Decidida deixou a bandeja sobre a cama, fechou a porta e saiu calada. Não derramou uma lágrima a pobre. Foi a outra tia que encontrou o corpo de Marisa na banheira, pulsos cortados, tadinha!
Na cidade ninguém soube nada porque se matou Marisa, muito menos o médico que tinha por ela um carinho. Uns acharam que foi pela tia, outros por um parafuso a menos, talvez, mas o que ninguém imaginava é que Marisa tinha morrido de véspera, pelo que achava que era sua sina.

9 comments:

Ana said...

AHHHHHHHHHHH que historia triste, credo!

Ana Téjo said...

Noooossa, Julis,
Adorei a história , o vocabulário, tudo.
Destampou o que, aí dentro dessa cachola, rapazinho?
Beijos e parabéns,
JU...

Anonymous said...

ótimo conto real!

Anonymous said...

Demais. Sempre conta um bom conto.

Cláudia said...

Quer dizer que Marisa morreu vitalina? Necas com o tal do médico, nada além dos beijinhos?
Ô dó, vai ficar a alminha dela vagando por aí...
Adorei, Xu, a historinha e até posso imaginar a decepção da personagem com a morte da tia, já que não ia mais ver o doutor por conta disso.

Lala said...

Gente, de onde saiu isso tudo?????
ADOREI XU.
E gostei mais ainda do final!

Zagaia said...

Ceiça, sima a moça morreu invicta, como muitos de nós morremos muitas vezes... na praia.

Lala, que bom que vc gostou! Fico feliz mesmo! Juro!!

Anonymous said...

Clarice Linspector perde!

Moooooito bom!

Joe Pittman said...

Hi thanks for pposting this