Thursday, August 18, 2005

CAPPUCCINO ASSOMBRADO

O seu dia foi normal, atribulado como sempre mas estressante o suficiente para te fazer aceitar qualquer convinte que recebesse para sair. Ao cair da tarde o telefone toca, o visor do celular mostra um nome que parece gritar pra você não atender. Ignorando qualquer aviso ou premunição você atende, do outro lado a voz conhecida e sombria te convida para um café, depois das 10, no lugar de sempre.
Conforme havia sido combinado, depois das 10 você entra no lugar marcado. O Fantasma já te espera, sentado na mesa, tilintando nos dedos um som que lembram os passos de um condenado. Ao sentar na sua frente, você o encara, sorri, mas ele não. O Fantasma está sério, com seu ar translúcido, reclama do seu atraso e te faz lembrar do tempo que te assombrava. Um garçom de preto e com olheiras fundas vem tirar os pedidos, pro Fantasma um Mooca e pra você um Cappuccino. O Fantasma começa a fezer perguntas, as de sempre, como você está, como anda o trabalho. Você se pergunta o que ele quer realmente, olhando através dele você se pega rezando.
A conversa do Fantasma te fascina, ele sabe como seduzir e tem larga experiência em atrair os humanos para o seu covil. Você se pega mais relaxado, rindo do que ele fala, respondendo suas perguntas sem tantas defesas. Como o Fantasma é bonito, sabe conversar, te faz se sentir bem, por que você estava com tanto medo de vir ao seu encontro?
O Fantasma levanta, diz que vai ao banheiro e sai arrastando correntes pelo café movimentado. Você o segue com os olhos e, ao olhar de longe, nota que ele volta a ser um fantasma assustador, a fazer parte do passado, e que a figura que a pouco te seduzia, deve continuar onde sempre esteve desde quando você a exorcisou. Longe dele as piadas que te faziam rir, agora te causam náuseas, as perguntas que você respondia facilmente te causavam calafrios.
Nervosamente você procura o garçom de preto, pede a conta e começa a ter fé que ela chegará antes do Fantasma voltar à aparecer. Você pede pressa, a conta não chega, qualquer segundo pode ser crucial. Sem aguentar a angústia da espera, você se levanta e paga no caixa, paga o seu e o do Fantasma, afinal são os 7 reais que vão te livrar dele pra sempre. Sua idéia é fugir antes do Fantasma retornar, é deixar o Fantasma sem sótão pra assombrar.
De repente você sente uma mão gelada tocar seu ombro. O Fantasma agora assustado te pergunta o que aconteceu. Com qualquer evasiva, você diz que tem que ir embora. O Fantasama resmunga qualquer coisa, começa a te convencer a se encontrar de novo com ele, você responde que sim, que qualquer dia desses, podem marcar qualquer coisa, diz pra qualquer coisa ligar e sai meio de qualquer jeito. O Fantasma ainda tem tempo de te alcançar e tentar te entregar uma nota de 10 reais, você recusa e diz que fica pela companhia.
Quando você entra no carro, pensa que ele vai demorar pra pegar como nos nos filmes de terror, só para dar mais uma chance ao Fantasma, mas isso não acontece. Você parte com o carro e percebe que o Fantasma está te olhando. Sem pensar muito você acelera, olha o Fantasma sumindo no espelhinho do carro, e toma consciência que lugar de assombração lá mesmo, no seu passado, como uma imagem no retrovisor.

9 comments:

Gastón said...

Agora eu tb tenho!

http://croquermonsieur.blogspot.com/

Beijo Nego!

Ana Téjo said...

Noooosssssaaaaa! Que pudêêêêêr, hein?
Quando eu crescer, amadurecer e (como diz a Lala) comprar um espelho, vou querer ser como você!
Estou explodindo de orgulho.

JU...

Anonymous said...

Estou apaixonada pelo seu estilo de escrita, é lindo!!!

Anonymous said...

ótimos textos sempre. muito bom

Zagaia said...

Martha e Dag, sejam bem vindos!! Podem deixar posts sempre que gostarem e que não gostarem tb!!

Cláudia said...

Tudo bem que quando a gente mete o pau no post ele deleta... ah ah ah

Nada pode ter mais gostinho de vitória do que ver o passado ficando lá atrás, no retrovisor!
beijo

Anonymous said...

Ju
Fantasma amigo, todo mundo tem. Feliz ou infelizmente. O negocio é saber deixa-los lá atrás, perdidos no canto do retrovisor...
Beijos.

Anonymous said...

Ju
Fantasma, meu amigo, todo mundo tem. Feliz ou infelizmente. O negocio é saber deixa-los lá atrás, perdidos no canto do retrovisor...
Beijos.

Anonymous said...

Ju, depois dessa, decidi andar sem retrovisores. Assim, nem olho pra trás...

By the way, quer tomar um capuccino mais tarde?