QUEM TUDO QUER, TUDO PODE?

Numa prateleira de livros quase esquecida da minha casa, eu achei um livro bem velho que fez parte da rotina da minha familia durante um tempo. O livro se chamava "Alegria e Triunfo", e ao reler hoje algumas daquelas páginas amareladas, pude perceber que tudo que está lá não passa da pura balela, que hoje é tão difundida e naqueles tempos era novidade, a frase: "Nada é impossível quando realmente queremos alguma coisa".

Não sei quem é o autor do livro, nem quem anda hoje em dia difundindo esse tipo de pensamento, mas acho que essas pessoas deveriam ser presas, para o bem da sociedade atual. Esse tipo de pensamento é o grande responsável por atravessarmos uma época de extrema angústia. Não é segredo pra ninguém que o nosso ideal de beleza, felicidade, consumo e ideal de vida de um modo geral está completamente deturpado. Anúncios de produtos incompráveis, miraculosos e que vendem uma idéia de pseudo-felicidade com photoshops perfeitos, paisagens que não existem e corpos robóticos em proporções distorcidas com cores de RGB. Nossa percepção foi ligeiramente alterada e acho que os efeitos psicológicos disso podem ser desastrosos, nada acaba sendo nunca o bastante.

Eu por exemplo quero acoradar amanhã com a cara do Brad Pitt, ter dinheiro para ir passar o fim de semana em Nova Yorque e também e ser capa da Caras semana que vem. Não dá! Mas eu realmente quero, e aí? E dai que não dá e pronto. Temos que aceitar que certas coisas são impossíveis e tentar ver que existe outro meio de se viver que não o meio impossível.

Vivemos em um tempo que temos todos os estímulos para o desejo e nenhum consolo para a frustração. É mega-comum você ver pessoas lindas, inteligentes, estruturadas e extremamente bem profissinalmente reclamando que não são a cara do Beckham, nem são bem sucedidos como o sei lá eu quem... Não é suportável viver em um mundo que aparentemente não te aceita, mas o grande culpado disso somos nós, qua acabamos por idolatrar o inatingível.

Caramba! Desse jeito vou entrar em um consultório psiquiatrico amanhã e dizer que sou um fracassado e não consigo lidar bem com isso! O doutor vai me dar uma daquelas droguinhas que deixam tudo bem ou alguma coisa do tipo e pronto, problema resolvido. Mas eu não quero que seja assim, pelo menos pra mim.

Quero conviver com a realidade e com tudo que ela pode me oferecer. Prazer real, frustração real, tudo real, só assim vou ter a decência de me sentir vivo. Então talvez o mais certo, mais saudável e mais sensato seja eu sair na rua e olhar pras pessoas e ver que não é preciso ser o Backham nem a Zeta-Jones pra ser bonito, pensar que eu trabalho com uma coisa que eu adoro e sou respeitado por isso, talvez seja eu lembrar que tenho bons amigos, boa família e que, na maior parte das vezes, sou uma pessoa querida. Ou então lembrar que um passeio de bicicleta por São Paulo, um filme do Tarantino ou mesmo um livro do Nick Hornby podem ser tão bonitos, divertidos e reconfortantes como alguns remedinhos da felicidade que os doutores podem receitar, mas aí a escolha vai de cada um...