Tuesday, November 22, 2005

SÓ PRA MIM*

E eis então mais uma vez que eu estou aqui sozinho, sem ninguém pra conversar e sem nenhuma voz além da minha. A madrugada já está alta e finalmente ela vai aparecer.
A noite eu ando por aí enquanto a cidade está vazia, eu penso nela fico feliz e de repente estou sorrindo. O mundo vai dormir e sou eu quem vai sonhar. E então, só pra mim, eu finjo que ela chega e são pra mim os beijos que ela trouxe, invento que estou entre os seus braços e quando ela aparece tudo volta a tomar rumo.
Imagino que ela ri das histórias que eu conto, que ela gosta do meu abraço, que ela sente lá do outro lado tudo que eu sinto aqui sozinho. Invento que ela sabe o que me faz bem, que me vê sempre que está com saudade e que ela sonha comigo e sente minha falta assim como eu sinto dela.
Já choveu e as ruas estão refletindo as estrelas como um rio. E as estrelas parecem reforçar a idéia de que ela também me ama. Mas eu sei que é tudo só em mim, só pra mim é que eu confesso esse amor. Só eu sei o que é amar assim... E eu amei e amo por nós. Eu a amo e vão passando os dias, vem o Sol e ela vai embora. Sem ela o mundo é só o mundo, um mundo que gira tanto, e eu vou em volta dele nesse amor que não tem fim. Eu a amo, mas sei que é só pra mim.

* Esse post é uma tradução livre e muito adaptada, de uma música que mudou minha vida, e que até hoje eu canto e lembro, quando me sinto do jeito adolescente que ela descreve uma paixão platônica e unilateral. A primeira vez que eu escutei "Só pra mim" (On my own) foi no ensaio geral da montagem brasileira de Les Misérables, ao lado do próprio Cameron Machintosh. Mais uma vez foi impossível não chorar, e acho que ainda hoje seria, mas isso, eu sei que não é só pra mim.

Friday, November 18, 2005

SÍNDROME DO BAMBI

Poucas histórias marcam tanto a nossa vida quanto as vividas na infância. Acho que por terem cores, cheiros e dimensões diferentes elas ficam armazenadas em um lugar que todo mundo trata com carinho. Uma das que mais me marcou, é lembrada até hoje por amigos, familiares e até colegas de trabalho, assim que eu ponho o pé dentro de uma sala de cinema.
Mais ou menos ha uns vinte e poucos anos, mais ou menos nessa época do ano, minha mãe mais ou menos desesperada não sabia o que fazer com os dois filhos pequenos, que tinham acabado de entrar em férias e estavam botando a casa abaixo. Naquela época, minha irmã com uns 4 anos e eu com uns 6, nós dois eramos peritos em espalhar brinquedos, fazer guerra de comida, dar gritos para conversar com os vizinhos e nos pendurar na janela mexendo com quem passava na rua. Nos ter em casa era tão sofrido que qualquer motivo era bom pra sair com as crianças penduradas. Foi num momento desses que minha mãe teve a "brilhante idéia" de nos levar ao Iguatemi, para comprar o que ainda faltava para o Natal e pra assistir Bambi, junto com a gente.
Lembro que a quantidade de crianças felizes na entrada do cinema era enorme, todas rindo, correndo, gritando, comendo pipoca, uma verdadeira festa. Antes da sessão começar, minha mãe nos colocou nos lugares ao seu lado e sentou orgulhosa no meio das crias. Ia ser uma momento sereno, ela ia ficar duas horas tranquila comigo e com a minha irmã quietos e felizes. Mas, o sossego dela durou muito pouco...
Tudo corria bem até que de repente, POW! Matam a mãe do Bambi. Na hora eu não pude acreditar que estava acontecendo aquilo! Como isso podia acontecer num filme infantil? Será que quem tinha feito esse filme tinha pensado em levar todas aquelas crianças lá, só pra tortura-las com essas idéias horríveis de mães morrendo e caçadores sanguinários?
Buáááááááááááááááá! Meu choro foi alto e incontrolável, não só o meu mas o de outras crianças que estavam lá. Minha mãe se afundou na cadeira, as outras crianças logo se acalmaram com o coelhino Tambor e com as cenas floridas que vinham logo a seguir, mas eu não, continuava o meu choro sentido, ensurdecedor e indignado:
- Eu não acredito que a mãe do Bambi morreeeeeeeeeeeeu!
- Calma filho!
- Buáááááááááááá!! Cadê a mãe do Bambi? Ela morreu mãe? Ela morreu? Mãããããããããeee diz que ela não morreu!!
- Calma filho, é um filme!
Não demorou muito para a lanterninha aparecer e pedir pra minha mãe me tirar da sala, porque eu estava atrapalhando a sessão. Irada ela praticamente me arrancou da cadeira, falou pra minha irmã, que não tinha derramado uma lágrima, não levantar da cadeira e me arrastou pro saguão:
- Buáááááááááá!! A mãe do Bambi morreeeeu!
- Filho fica quieto! Eles não vão deixar você voltar para o cinema!
- Eu não quero voltar, a mãe do Bambi moreu!! Buáááááááááá!!
Até que num momento de iluminação, quase me sacudindo de tanta vergonha, minha mãe falou:
- Ela não morreu filho, ela já volta. Vão descobrir que ela só estava sumida, e daqui a pouco ela aparece de novo.
- Ela não morreu? Snif.
- Não. Agora fica tranquilo, respira fundo pra gente ver o filme.
Dois copos d'água e uma lavada de rosto depois, nós voltamos para as cadeiras e eu até consegui curtir um pouco do que restou do Bambi. Quando acabou o filme e a mãe do Bambi não apareceu, tive que perguntar de novo com um nó na garganta:
- E a mãe do Bambi, mãe? Ela morreu mesmo?
- Ah filho, quando a gente saiu da sala, ela voltou, explicou que era tudo mentira e disse que não tinha morrido. A gente perdeu essa cena.
Demorei anos pra descobrir que a mãe do Bambi tinha morrido de verdade e até hoje ainda sofro da "Síndrome do Bambi", que entre outras coisas causa vexames sérios em salas de cinema.

Monday, November 07, 2005

A GRANDE JORNADA

Fugindo da cidade turbulenta e da rotina habitual, que fatigava seus finais de semana, quatro amigos saem de São Paulo, numa sexta-feira caótica, em direção a um oásis de paz, tranquilidade e desapego das formas corporais, onde eram aguardados com impaciência.
A viagem de 5 horas levou quase 7, mas os amigos, num mix de complacência e determinação, tentaram transformar com bom-humor e um certo "veneno" as horas presas no carro em agradáveis momentos de intimidade. Desenterraram fantasmas do passado, histórias que nunca tinham revelado, opiniões ainda não dadas, enfim, conversaram muito, não por obrigação, mas talvez por sentirem necessidade de se conhecerem um pouco mais, como se já não se conhecessem o bastante.
A chegada foi tranquila e nos primeiros minutos tudo já dava sinais de que a estada seria bem lucrativa com relação às histórias que renderia e também com relação aos quilos que ganharíamos. Não foi possível para os amigos resistirem a tudo que lhes foi oferecido. Também não puderam resistir às boas companhias, ao bom clima, à boa recepção, aos bons papos. Tudo que lhes passava na frente era bom, oferecia algum prazer inocente ou engordava.
Ao final de dois dias inteiros, muitas garrafas de vodka vazias, muitas rolhas de vinho, muitos pratos sujos, muitas revelações feitas e muito carinho demonstrado, os amigos retornaram. O final da jornada exigia de nossos heróis, ainda um pouco mais de perseverança para enfrentar as 5 horas que restavam, que eram mais difíceis, pois se somavam ao cansaço de dias intensos.
Corre tudo bem com a volta e já sozinho no carro, o último dos amigos que ainda restava chegar em casa, pensava que sem o longo e cansativo caminho, talvez esse não tivesse sido um final de semana tão perfeito, pois talvez não tivesse deixado os amigos tão em sintonia. Muitas vezes, o que precisamos é de uma jornada juntos para entender porque o caminho pode ser tão bom quanto o destino.